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FolhaPress

Aliado de Salles assume em meio a disputas na área ambiental

Joaquim Pereira Leite era do círculo de confiança do ex-ministro e chega à Esplanada sem apoio político

Substituto de Ricardo Salles
Joaquim Álvaro Pereira Leite, que assume o ministério do Meio Ambiente no lugar de Salles. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Personagem até agora sem relevância política, Joaquim Álvaro Pereira Leite assume o Ministério do Meio Ambiente em meio a uma disputa interna no governo Jair Bolsonaro (sem partido) pela liderança da pauta ambiental do país.

Leite passa a conduzir um ministério desestruturado por seu antecessor, Ricardo Salles, e com um corpo técnico rompido com o comando da pasta. Também chega à Esplanada sem apoio no Congresso ou na ala ideológica do governo, no momento em que Itamaraty e o Ministério da Agricultura atuavam para alijar Salles das negociações internacionais do Brasil na área ambiental.

Salles era considerado por negociadores estrangeiros como um obstáculo para qualquer avanço nas tratativas ambientais com os Estados Unidos e países europeus. A interlocução do ex-ministro com esses governos ficou inviabilizada após seu envolvimento numa investigação da Polícia Federal sobre contrabando de madeira.

Diante desse quadro, o Itamaraty passou a buscar maior influência e a defender moderação nas rodadas de negociação, em movimento apoiado pela ministra da Agricultura Tereza Cristina e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

O atual chanceler, Carlos França, Tereza e Mourão avaliam que é preciso reduzir a pressão sobre o Brasil e afastar a ameaça de retaliações comerciais pelo avanço do desmatamento. Existe ainda preocupação com os preparativos do Brasil para a reunião do clima da Organização das Nações Unidas(ONU) em novembro, onde o país tende a ser retratado como vilão ambiental.

Um ministro do Meio Ambiente alinhado ao grupo seria peça fundamental no esforço de recuperação da imagem internacional. Integrantes do governo e ambientalistas, porém, estão céticos com a mudança. Eles dizem esperar poucas alterações na política ambiental brasileira, que em última instância é definida pelo presidente Bolsonaro.

Considerado discreto e de pouca expressão política, a ponto de ter tomado posse sem alarde na noite de quarta (23/6), Leite era parte do trio de auxiliares da mais estrita confiança de Salles, ao lado do secretário-executivo-adjunto, Eduardo Lunardelli, e da secretária de Biodiversidade, Maria Beatriz Milliet.

A desconfiança com a troca é partilhada por servidores da pasta, que falaram à reportagem sob condição de anonimato. Eles dizem que Leite representa a continuidade da administração anterior, tendo sido defensor da linha antiambiental adotada pelo agora ex-ministro.

Assim como Salles, o novo ministro não tem trajetória ligada à área de preservação ambiental. De família de produtores de café, chegou ao ministério em julho de 2019 como diretor do departamento florestal. À época, Salles garimpava quadros na SRB (Sociedade Rural Brasileira), onde Leite era associado.
O Departamento de Florestas foi extinto em setembro de 2020, quando se criou a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais, numa das polêmicas reformas internas de Salles. Assim, Leite ascendeu e foi nomeado para a secretaria.

Na estrutura, era o gestor responsável pela área que Salles tentou transformar em uma de suas vitrines: os projetos de pagamento por serviços ambientais. O ex-ministro dizia que apenas ações de fiscalização não seriam suficientes para um projeto sustentável de preservação. Ele propôs fortalecer mecanismos de recompensa para quem decidisse proteger vegetação nativa em suas propriedades.

O problema, de acordo com ambientalistas, é que a parte de pagamentos por serviços ambientais pouco avançou, ao mesmo tempo em que Salles desmantelou as políticas de comando e controle.

O resultado foram os recordes nos índices de desmatamento no governo Bolsonaro. Maio foi o pior mês de avisos de desmatamento na Amazônia nos últimos anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe).

O desmonte da capacidade de fiscalização de órgãos como Ibama e ICMBio é hoje uma das maiores preocupações de ambientalistas. Leite raramente enfatizou ações de fiscalização a ilícitos ambientais, segundo relatos.

Ele era um dos principais representantes do ministério no Conselho da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Nos encontros do conselho, costumava defender programas de pagamento por serviços ambientais e dava pouca atenção à necessidade de repressão de atividades de desmatamento ilegal.

Nesta quinta (24/6), Mourão disse que deve reunir-se na sexta (25) com Leite e afirmou esperar “cooperação” da parte dele. “[Vou] pedir a cooperação nas operações que vão começar, pra que tenham o maior efetivo possível do Ibama e do ICMBio”, disse.

Leite vem de uma família de plantadores de café no interior paulista. Entre 1996 e 2019, foi conselheiro da SRB, influente entidade ruralista do país.

Sua família protagoniza disputa de um pedaço da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo. Capatazes a serviço da família chegaram a destruir a casa de uma família indígena ao tentar expulsá-la do território reclamado, segundo documento da Funai (Fundação Nacional do Índio) revelado em reportagem da BBC Brasil.

Além do comando de uma fazenda, o novo ministro tem em seu currículo passagens por empresas do setor farmoquímico e de café e na direção de uma incorporadora.

Há registro em atividades de manejo florestal sustentável e de negociação de carbono entre 2003 e 2019 em uma consultoria, a MRPL, da qual ele próprio é sócio de sua mãe.

O ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, afirma que o perfil do novo ministro e a linha geral defendida por Bolsonaro não permitem esperar mudanças de rumo na área. “Não conheço uma história ambiental que o qualifique para o ministério. O que temos é a indicação do presidente de alguém que já era um cargo de confiança nomeado pelo Salles e ligado à Sociedade Rural Brasileira”, diz.

Bocuhy afirma que a conjuntura é grave, com forças do agronegócio, mineração e do desmatamento “imbricadas na base politica do governo”, além de uma base no Congresso também alinhada aos mesmos interesses.

“E temos uma situação preocupante, com um estado de desestruturação do ministério com a passagem do Salles. A pasta hoje exige uma reestruturação, além de tocar uma agenda pesadíssima”, afirma.

Apesar da proximidade com Salles, o novo ministro é apontado como mais moderado do que seu antecessor. Tanto que, no início do governo, manteve diálogo com parlamentares ligados à pauta ambientalista. Esse tipo de contato foi proibido por Salles, segundo relatos feitos à reportagem.

Em agosto de 2019, foi a uma audiência pública na Câmara para debater a tramitação de um projeto sobre o pagamento por serviços ambientais. Nas palavras do novo ministro, a proposta visava “trazer segurança jurídica para quem quer pagar e também para quem quer receber por ações de conservação do meio ambiente”.

Sua visão sobre o pagamento por serviços ambientais é questionada por servidores. Segundo eles, Leite atua para transformar essa política num sistema voltado para a recompensa de agricultores que não necessariamente tenham realizado ações de preservação.

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