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FolhaPress

Dezenas de pessoas dormem nas ruas na madrugada gelada de SP

Apesar da existência de centros de acolhida, cenário na região central é de fileiras de pessoas no chão, enroladas em cobertores finos

Foto: Divulgação

Sentado em torno de uma mesa na Casa de Oração do Povo da Rua, na Luz, região central de São Paulo, o padre Júlio Lancelotti, 73, coloca as mãos no rosto, admite o cansaço e relata algumas das cenas que acabara de presenciar: moradores de rua enrolados em cobertores finos, muitas vezes úmidos, deitados no chão e com dificuldade para procurar ajuda e não passar ao relento a madrugada gelada desta quarta-feira (18/5).

“Os serviços da prefeitura não circulam pela cidade, ficam parados, não vão atrás das pessoas”, reclama o padre. “Falta um toque de atenção, de humanização, de carinho”.

Nas andanças com uma equipe de voluntários, o religioso encontrou dois moradores de rua com sinais de hipotermia e os encaminhou para atendimento médico e abrigo.

Outro sem-teto, Eduardo, 38, foi com ele para a Casa de Oração, recebeu uma refeição quente e dormiu no amplo salão do espaço ecumênico construído por dom Paulo Evaristo Arns com dinheiro doado pela Fundação Niwano, do Japão, como reconhecimento pela trajetória do religioso.

Eduardo afirmou que não conseguiu ser atendido pela prefeitura ao ligar para o telefone da assistência social municipal, o 156. Disse que tentou três vezes, sem sucesso. Dependente químico desde os 17 anos, ele faz tratamento contra as drogas há um mês e tenta reconstruir a vida.

“Fui para as ruas por causa do crack”, contou, deitado no colchão próximo a uma imagem de Santa Dulce dos Pobres, que ornamenta o salão da Casa de Oração.

Colchões novos, cobertores, agasalhos, gorro e até chocolate quente são doados pelos voluntários do lugar, que também oferece refeições e cursos de formação.

Dormir ali significou para Eduardo e outras onze pessoas escapar de uma temperatura que chegou aos 7 Cº e do vento frio que marcou a madrugada.

Ao percorrer as ruas centrais de São Paulo, no entanto, a reportagem da Folha de S.Paulo registrou um cenário com dezenas de pessoas dormindo no chão, enroladas em cobertores finos, ou em barracas de camping. Giovana Silva, 26, é uma delas. Ela e o marido vivem em um colchão nos arredores da praça da Sé.

Na madrugada, Giovana procurava uma forma de cozinhar dois pacotes de macarrão instantâneo quando viu um dos pontos de atendimento da Operação Baixas Temperaturas, serviço da Prefeitura de São Paulo que oferece distribuição de cobertas, sopas, bebidas quentes e transporte para pernoite em centros de acolhida, além de vacinas contra Covid-19 e Influenza.

Ela recebeu dois cobertores após perguntar o que era a lona de atendimento. Recebeu também orientação sobre atendimento médico que pode procurar durante o dia. Não conseguiu a água quente para cozinhar o macarrão.
Até o meio da madrugada desta quarta, 20 pessoas haviam sido levadas pela Operação Baixas Temperaturas da praça da Sé até centros de acolhida na Mooca e na região da marginal Tietê.

“As pessoas pedem cobertores e água”, disse a enfermeira Stefania Beatriz Totti Rosa, em sua estreia em um plantão da madrugada. Mas nem todos aceitam ajuda. “Temos que saber lidar com as diferenças”, diz, logo após abordar um morador de rua que não quis o cobertor oferecido.

Segundo a prefeitura, a busca ativa de moradores que desejam acolhida é realizada durante as noites e madrugadas de maneira conjunta por equipes de assistência social e saúde. As tendas da Operação Baixas Temperaturas serão instaladas sempre que a temperatura ficar abaixo dos 10º C.

Circulando no Pateo do Collegio, região da Sé, Douglas de Paula, nas ruas há 20 anos, conhece os serviços de acolhida e conta que recusou uma oferta de lugar para dormir. “Tomei pinga e não quero arrumar confusão”, justificou. Ele decidiu passar a madrugada fria ao lado de dezenas de sem teto espalhados pelo local, no chão ou em colchões.

No centro de acolhimento provisório aberto em um espaço vazio da estação Dom Pedro 2º, no Centro, menos da metade dos colchões foram ocupados até o início da madrugada. Vinte e cinco pessoas dormiram no local na primeira madrugada em que o serviço foi oferecido este ano. Segundo funcionários, a procura deve aumentar nos próximos dias, quando a informação circular mais entre os sem-teto.

Para o padre Júlio Lancelotti, as equipes de atendimento precisam circular nas ruas com o olhar atento e palavras acolhedoras. “Oi, irmão”, ele diz nas abordagens. Mas admite que nem todos aceitam um abrigo. Nesses casos, as pessoas recebem alimento quente, sacos de dormir e gorros da Pastoral Povo da Rua.

Ana Maria da Silva Alexandre, 52, voluntária da pastoral há 21 anos, conta que nas noites de temperaturas baixas ela emenda o trabalho do dia e não volta para casa antes de distribuir alimentos e agasalhos. “Precisamos evitar que as pessoas morram de frio”, explica.

Na região do aeroporto de Congonhas, zona sul, onde a temperatura mínima na madrugada foi de 7ºC, a sensação chegou a -4ºC. A Defesa Civil Municipal mantém a cidade em estado de alerta máximo para baixas temperaturas
As temperaturas permanecerão baixas na quinta (19) e sexta-feira (20), com previsão de 7°C de mínima e 15°C de máxima, na quinta, e 7°C de mínima e 16°C de máxima, na sexta. A expectativa é que a temperatura fique ainda mais baixa nos extremos da cidade, com possibilidade de geada nos pontos mais altos, mais próximo à Serra do Mar.

Por Cristina Camargo

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