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FolhaPress

Jaider Esbell, morto aos 41, nunca deixou de ser agricultor para ser artista

Artista e pensador foi encontrado morto em seu apartamento em São Paulo, nesta terça (2)

Foto: Divulgação

Certa noite, em Boa Vista (RR), o artista plástico macuxi Jaider Esbell sonhou com uma roça de milho e macaxeira no quintal de seu ateliê. Durante a pandemia, ele cavou as leiras diante do muro em que havia pintado uma cobra de língua bífida entre os dentes afiados. Desenhou ainda pássaros, indígenas de sua etnia, uma Torre Eiffel e geometrias cúbicas e coloridas de sua cosmogonia.

“Estou fazendo uma roça no lugar em que eu ia construir uma vitrine pra galeria. Depois que o mundo mudou, resolvi fazer uma roça. Estou cultivando as roças como elementos artísticos, com essa urgência de que há a possibilidade de faltar a oferta de alimentos”, ele me disse, na primavera de 2020.

No alto, instalou uma placa em madeira: “Nossa roça” (Umîri’kon). Daquele pedaço de terra, cercado de brotos verdejantes, enviava sua mensagem solitária ao mundo. Ele desejava que bichos e homens, ao passarem por aquela roça, olhando os talos de plantas, se sentissem felizes. Os espíritos antigos visitariam então os pés de milho e macaxeira. Em festa, as lagartas e os besouros atacariam as folhas. Organizava-se uma invasão de insetos igualmente felizes.

“Estou produzindo muito desde dezembro de 2019, quando eu parei de viajar”, contou Esbell, animado com o convite para expor na 34ª Bienal de São Paulo. Naqueles dias, ele preparava pinturas, esculturas e instalações, além da plantação em seu quintal. E regressava sem grande demora às noites de lua em sua aldeia.

“Durante toda a minha vida nunca saí da roça, nunca deixei de ser agricultor pra ser artista. Sempre integrei essas atividades. Agora, com a quarentena, achei que poderia dar uma visibilidade pra esse trabalho, que não é tão visível quanto a pintura como parte da minha integralidade”.

Suas obras seriam levadas à mostra “Moquém_Surarî: Arte Indígena Contemporânea”, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, dentro da programação da Bienal. Ele estava perto de viajar para sua aldeia, mas só pensava na exposição em São Paulo. “Meu tempo tem sido escrever pra revistas, sites, acompanhar alunos de graduação e pós-graduação, como co-orientador. Acompanho vários pesquisadores. E tenho feito várias performances no Facebook”.

Havia tranquilidade em sua leitura das ameaças da pandemia do novo coronavírus aos povos indígenas. Ele dominava seu quintal, sua língua e sua história, e não havia cenário trágico que o amedrontasse.

“Enquanto indígena a gente já vem num processo histórico de fim de mundo. Viver o extremo das coisas já é parte da nossa própria dinâmica. Eu cresci vivendo violências e ameaças. Acredito que não tenha mudado. Talvez tenha mudado a forma de morrer. Não exatamente uma forma de violência urbana ou mesmo rural, por conta do racismo, mas uma morte que pode vir de um lugar invisível mesmo, esse elemento surpresa”, ele me falou, com algum enigma.

“Quando a gente sai por aí, no mundo, na zona rural ou urbana, já espera alguma agressão física de alguém desavisado ou extremamente racista. É diferente de você ser surpreendido por um vírus que você pode ser contagiado pelo teu próprio parente. No meu modo de ver o mundo, a diferença é exatamente essa. Analisando toda essa conjuntura, tudo o que eu já produzi, as formas como eu já me comuniquei com o mundo, eu basicamente me sinto um artista realizado. Claro que tem muito o que se fazer ainda, mas já morreria muito feliz pela produção que eu já deixo, tanto pictórica como escrita, audiovisual”.

Aos 41 anos, o artista e pensador Jaider Esbell foi encontrado morto em seu apartamento em São Paulo, nesta terça, 2 de novembro. Em Boa Vista, deixou uma roça de milho e macaxeira.

Por Claudio Leal 

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