Pães mumificados há 80 anos são achados no sertão baiano, em raro caso de conservação
A descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade do Estado da Bahia (Uneb)
Pães mumificados foram encontrados no sertão baiano em um sítio arqueológico que revela história da região com a Segunda Guerra Mundial. A descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), que vão publicar os resultados do estudo nos próximos meses, em um livro.
Mapeando a região, o arqueólogo Gilmar D’Oliveira, 38, que estuda sítios de pintura rupestre em Campo Formoso desde 2007, encontrou um local com cerâmicas, louças e artigos em vidros, em 2015. Na ocasião, a equipe achou que, do ponto de vista arqueológico, os achados eram simples e, por isso, deixaram para escavar depois.
O novo sítio localizado no município, que fica a 406 km de Salvador e tem outros 26 no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), era um antigo garimpo de quartzo que funcionou na região até 1942.
Os mineradores forneciam os cristais para os Estados Unidos, de quem o Brasil era aliado durante a Segunda Guerra. O material servia como matéria-prima para produção de rádio-comunicadores durante a guerra.
“Foi uma surpresa. A gente não esperava a existência de um garimpo na região, porque normalmente nossa pesquisa encontra sítios coloniais. Mas uma pessoa falou sobre um garimpo e foi a faísca para começar a pesquisa. Não tenho palavras para descrever esse achado”, diz D’Oliveira.
A escavação da área foi feita em 2016. Foram encontrados dois pães, um inteiro e outro pela metade. Os achados estavam debaixo de escombros de uma área que foi definida pelos pesquisadores como a padaria da comunidade, única construção em tijolaria do local.
A coordenadora da pesquisa Cristiana Santana, 57, disse que os pães foram conservados por um processo de mumificação natural a partir da desidratação. Os estudos apontam que o alimento foi queimado no forno e descartado dentro das cinzas, que têm capacidade de dissecar e, assim, conservou o material durante as oito décadas.
“É um evento raro. O comum no resto de alimento é ele se decompor. Alguns vestígios de alimentos podem se preservar, mas normalmente são sementes. Uma estrutura como um pão, que é uma coisa extremamente mole que decompõe com muita facilidade, nunca foi encontrada dentro da arqueologia no Brasil”, afirma.
A pesquisadora lembra que outra descoberta como essa só foi feita na Alemanha, quando foi encontrado em 2021 um bolo de avelã com amêndoas, também datado do período da Segunda Guerra.
Os pães encontrados na escavação sertaneja são semelhantes aos “pães de cesto” ou “pães amassados por pés”, típicos na região. Mas os pesquisadores explicam que esses são menores, pois o processo de mumificação por desidratação diminui seu volume.
A arqueóloga Joyce Santana, 38, foi quem escavou a área e encontrou os pães, mas não sabia no primeiro momento sobre a importância da descoberta. “Escavar o Garimpo Prateado foi superdiferente. Quando nós descobrimos os pães, achamos algo diferente por nunca ter visto, apesar de já trabalhar com vestígios fósseis, mas só quando fomos para o laboratório e fomos interpretar o sítio que aquilo foi ganhando força e hoje temos os frutos da pesquisa.”
Todo o material do garimpo foi levado para o Laboratório de Arqueologia e Paleontologia do Campus VII da Uneb, em Senhor do Bonfim (BA). Os pães são conservados em um ambiente semelhante ao que foi encontrado. Foram guardados com cinzas e restos dos escombros para evitar sua decomposição.
Próximo à antiga padaria, foi também identificado um cemitério. O local não tem lápides, mas características do terreno, como ondulações, indicam covas. A coordenadora da pesquisa diz que ainda não é indicada a escavação desse outro setor do sítio. “Isso tem apenas 80 anos, e a gente não sabe se ainda há microrganismos presentes.”
As memórias do Garimpo Prateado -que teve suas atividades interrompidas por um surto de meningite que matou dezenas de homens- foram registradas na primeira fase da pesquisa, quando realizaram entrevistas com os mais velhos da região.
Dois mineradores que trabalhavam no garimpo de Campo Formoso foram encontrados e deram detalhes da vida no local, onde as moradias eram feitas em palha e não havia estrutura sanitária, o que favoreceu o surto da doença.
Após o encerramento das atividades do garimpo, os homens voltaram a trabalhar nas roças da região, criando rebanhos de cabras. Os artefatos coletados pela pesquisa e a memória popular são os únicos registros dessa história ocorrida no Sertão da Bahia.
Por Adriano Alves