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Pressão do mundo político deve fazer Santos Dumont manter voos para Brasília

Rota será única exceção à restrição a ser aplicada ao aeroporto doméstico do Rio a partir de janeiro

Os voos ligando os aeroportos de Santos Dumont (RJ) e Brasília (DF) não devem ser afetados pelas restrições que entrarão em vigor em janeiro com o objetivo de incrementar as operações do menos atrativo aeroporto internacional do Galeão, também localizado na capital fluminense.

Isso se dará não por uma razão técnica, mas por pressão política capitaneada, entre outros, pelo governador Cláudio Castro (PL), o prefeito Eduardo Paes (PSD) e parte da bancada de parlamentares do estado.

No dia 10 de agosto, o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, assinou ao lado de Paes e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resolução que restringe os voos no Santos Dumont a partir de 2 de janeiro de 2024, vetando as rotas que o ligam a aeroportos internacionais, como Guarulhos e Confins, e todas as outras que extrapolem a distância máxima de 400 km.

Por essas regras, a rota Santos Dumont-Brasília ficaria extinta a partir de janeiro, por estar enquadrada nos dois critérios: o aeroporto de Brasília é internacional e a distância é de cerca de 900 km, mais do que o dobro do limite de 400 km.

As negociações políticas em torno da tentativa de reavivar a movimentação no Galeão, porém, já incluíam desde o início um acordo tácito para que a rota SDU-BSB (os códigos aeroportuários do Santos Dumont e do Presidente Juscelino Kubitschek, em Brasília) fosse mantida, como única exceção.

Nenhum dos congressistas do Rio consultados pela Folha, cuja maioria falou na condição de anonimato, soube dizer a razão técnica para isso. Alguns inclusive disseram que achavam que Brasília já estava oficializada como exceção à restrição, o que ainda não ocorreu.

O Ministério dos Portos e Aeroportos afirmou, em nota, que “tendo em vista a relevância de Brasília como capital federal do país”, a pasta, a Casa Civil e a AGU (Advocacia-Geral da União) “estudam o formato jurídico mais adequado para que o trecho SDU-BSB continue em operação”.

O ministério registrou que Castro e Paes haviam solicitado inicialmente manter no Santos Dumont somente os voos com origem ou destino nos aeroportos de Congonhas e Brasília, mas que no caso da capital federal será preciso o envio de um projeto de lei ao Congresso, o que ainda não ocorreu.

A disputadíssima ponte aérea Rio-São Paulo (Santos Dumont-Congonhas), uma das rotas mais movimentadas do mundo, está fora das restrições pois Congonhas é um aeroporto doméstico e está a menos de 400 km de distância do Santos Dumont.

“É o nosso ‘cotão’. A razão é meramente parlamentar, ou, mais amplamente, político-administrativa. Brasília é a capital da República, congressistas do Rio e de áreas próximas, lobistas e outros precisam ir para lá. É um voo, pelo que percebo, sempre repleto e muito demandado. Facilita, é mais confortável. Então, às favas as considerações técnicas”, critica o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos poucos a falar abertamente sobre o caso.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ) diz que o problema é muito mais grave do que a rota Rio-Brasília.

Em sua avaliação, a restrição de voos não significará migração para o aeroporto internacional, mas sim mais baldeações e custos aos passageiros, e defende uma proposta elaborada na gestão Jair Bolsonaro (PL), de concessão conjunta de Galeão e Santos Dumont a um mesmo operador.

“Não é questão de não ter voo para Brasília, por causa do parlamentar, a lambança é muito maior. Isso é só um ‘peanuts’ [insignificante].”

“Estou nesse assunto desde o dia zero do meu mandato”, afirma o senador, ressaltando as conclusões do grupo de trabalho composto pelo governo do Rio, prefeitura e outras entidades.

“A primeira alternativa técnica era a redução de pousos e decolagens, e com isso o próprio mercado se ajustaria, essa era a solução técnica. Eduardo Paes, em acerto político com Lula, peita o Márcio França e busca adotar a última alternativa, a mais drástica, uma intervenção no mercado, sem ouvir o mercado, que é a limitação de rotas.

Paes se limitou a dizer que aguarda a decisão do governo sobre estabelecer Brasília como exceção, e que esse sempre foi seu pedido.

A Prefeitura do Rio de Janeiro encaminhou nota da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação lembrando que esse era um pleito inicial da prefeitura ao governo e que não vê problema na exceção, desde que seja respeitado “o limite de perímetro de 400 km” para os demais aeroportos domésticos.

O Governo do Rio afirmou, por meio da sua assessoria, que entende ser “importante a manutenção do destino Brasília, conforme sempre defendido em conjunto com o município do Rio”, e disse acreditar que “as medidas cabíveis serão adotadas pela União”.

Voltado para a aviação doméstica e administrado pela estatal Infraero, o Santos Dumont fica ao lado de negócios instalados no centro do Rio e mais próximo de pontos turísticos da zona sul, como o Pão de Açúcar e as praias de Copacabana e Ipanema.

Além da maior proximidade ao centro e à zona sul, tem opções mais atrativas de transporte público.

O Galeão —administrado atualmente pela RIOgaleão, controlado pela Changi, de Singapura— fica na Ilha do Governador, na zona norte da capital fluminense, e tem opções mais restritas de acesso, possibilidade maior de engarrafamentos, além da proximidade com áreas consideradas de maior risco de violência urbana, como as linhas Vermelha, Amarela e avenida Brasil.

Sua infraestrutura é maior que a do Santos Dumont, recebe voos nacionais e internacionais e também exerce papel relevante no transporte de cargas do estado.

O aeroporto foi concedido à iniciativa privada em 2013. Ele vive um processo de esvaziamento que ficou mais visível após a pandemia. Em fevereiro de 2022, a RIOgaleão anunciou um pedido de devolução do aeroporto.

Após a troca de governo, o debate ganhou novos contornos, e a concessionária mudou de ideia. A RIOgaleão, então, passou a indicar interesse em costurar um acordo para permanecer com o ativo.

Após a crise gerada pela pandemia, a retomada da movimentação ocorreu de maneira mais rápida no Santos Dumont do que no Galeão.

Em 2022, o aeroporto doméstico do Rio de Janeiro recebeu mais de 10 milhões de passageiros, entre embarques e desembarques, segundo dados da Infraero. O contingente estava próximo de 9 milhões no pré-pandemia.

O Galeão, por sua vez, somou menos de 6 milhões de passageiros pagos em 2022, conforme a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Ao longo da década passada, o terminal chegou a receber mais de 16 milhões de viajantes por ano.

Por Ranier Bragon 

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