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Quase 1/3 dos desempregados procura vaga há pelo menos 2 anos

Negros foram a maioria dos desempregados a longo prazo

As dificuldades intensificadas pela pandemia elevaram a um patamar recorde a proporção dos brasileiros desempregados que buscam trabalho há pelo menos dois anos.
No quarto trimestre de 2021, período mais recente com dados disponíveis, 30,3% do total de desocupados no país estavam à procura de vagas por no mínimo 24 meses.

Em termos absolutos, isso quer dizer que 3,6 milhões de um universo de 12 milhões de desempregados tentavam ingressar no mercado de trabalho, sem sucesso, havia dois anos ou mais.
É a primeira vez que a porcentagem rompe a barreira dos 30% na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). Os números foram compilados pela consultoria IDados, a pedido da reportagem.

A série histórica da Pnad, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem início em 2012.
No quarto trimestre daquele ano, os desempregados de longo prazo (1,3 milhão) representavam 18,6% do contingente total em busca de trabalho no Brasil (6,7 milhões).
A pandemia começou a impor restrições no país no final do primeiro trimestre de 2020. Assim, dificultou a busca por vagas de quem já estava sem atuar antes da crise, segundo economistas.

“As pessoas que entraram no desemprego antes da pandemia estão tendo mais dificuldades para sair. Há muito impacto da crise para o número ter ido para cima”, diz o pesquisador Bruno Ottoni, da IDados.
“É uma situação bastante ruim para o trabalhador. Quanto mais tempo ele permanece sem emprego, mais difícil fica retornar para o mercado. Na hora de contratar, o empregador costuma dar preferência para quem está há menos tempo desempregado”, completa.

O economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), vai na mesma linha.
“A pandemia aprofundou as dificuldades. A crise aumentou o contingente de desempregados e a competição por vagas. Quem está desocupado há mais tempo sente mais”, aponta.

Aida Herminio dos Santos, 63, está sem trabalhar há dois anos. Antes da crise sanitária, a moradora de Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense, cuidava de idosos em casas de família, função que ela já havia desempenhado em um abrigo do Rio.
Com o início da pandemia e das restrições a atividades econômicas, as oportunidades desapareceram para Aida a partir de março de 2020.

“Parei de trabalhar nessa época, quando começaram a isolar as pessoas com mais de 60 anos. Não consegui mais nada. Nem faxina, nem bico de cuidadora”, lamenta.
Em razão da crise, Aida diz que passou a depender da renda de programas sociais e de doações para sobreviver. Seu companheiro, relata, também está em busca de emprego.
“Não sobra dinheiro nem para o gás de cozinha. A saída é o fogão a lenha”, conta.

Aida deseja retornar a todo custo para o mercado de trabalho. Diz amar a tarefa de cuidar de pessoas, mas não descarta migrar para outras funções -ela menciona que também já buscou, na pandemia, emprego em supermercado.
“O que mais quero é trabalhar. Quero voltar a ter uma vida normal. Sempre fui uma mulher independente. Sempre corri atrás, mas, com a pandemia, a situação ficou muito difícil”, afirma.

MULHERES E NEGROS FORMAM MAIORIA
De acordo com microdados da Pnad Contínua levantados pela IDados, as mulheres representavam 62,6% (quase 2,3 milhões) do total de brasileiros que enfrentavam o desemprego de longa duração no quarto trimestre de 2021 (3,6 milhões). Os homens (quase 1,4 milhão) correspondiam aos demais 37,4%.
O levantamento da IDados também aponta que os negros formam a maioria dos desempregados de longo prazo.

Entre outubro e dezembro do ano passado, eles eram 63,9% (2,3 milhões) dos desocupados que buscavam trabalho por no mínimo dois anos. Os brancos (quase 1,3 milhão) representavam 35,4%.
No recorte por escolaridade, a fatia mais volumosa é a dos trabalhadores com ensino médio. Eles correspondiam a 50,8% dos desempregados de longo prazo (1,8 milhão do total de 3,6 milhões), conforme os microdados.

Pelas estatísticas do IBGE, uma pessoa de 14 anos ou mais é considerada desocupada quando não tem trabalho e segue à procura de oportunidades. A Pnad avalia tanto o mercado formal, com carteira assinada ou CNPJ, quanto o informal, que inclui os populares bicos.
Na passagem do terceiro para o quarto trimestre de 2021, o número de desempregados há dois anos ou mais até recuou 6,5% em termos absolutos. Passou de 3,9 milhões, recorde da série histórica, para os 3,6 milhões.

No entanto, como a proporção deles em relação ao total de desocupados aumentou, há uma sinalização de que a retomada na geração de vagas para esse grupo tem sido mais lenta, dizem economistas.
“A situação melhorou de maneira geral do terceiro para o quarto trimestre do ano passado, mas a melhora foi mais expressiva para outros grupos, para quem estava desempregado por menos tempo”, avalia o pesquisador Bruno Ottoni, da IDados.

PIB FRACO JOGA CONTRA REAÇÃO
Economistas afirmam que a recuperação mais consistente do mercado de trabalho depende do crescimento da atividade econômica.
O problema é que as previsões sinalizam baixo desempenho para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2022, em um cenário de inflação persistente e juros altos.
“É provável que o desemprego de longa duração caia, mas é difícil esse indicador mudar muito rapidamente. Para isso, precisaríamos de um crescimento econômico mais forte”, analisa Ottoni.

Segundo o boletim Focus, do BC (Banco Central), o mercado financeiro prevê leve avanço de 0,5% para o PIB deste ano.
“As projeções de crescimento arrefeceram com a inflação e os juros altos no país. Essa combinação tende a frear o mercado de trabalho”, diz o economista Ely José de Mattos, professor da PUCRS.

“Não acho que vamos ter um novo ciclo de avanço do desemprego, mas a retomada deve ser adiada.”
A percepção da população sobre o mercado de trabalho, contudo, piorou recentemente. Conforme pesquisa Datafolha em março, 50% dos brasileiros acreditam em aumento do desemprego, enquanto 20% apostam em diminuição.
Em dezembro, o contingente que previa alta na desocupação e a parcela que projetava melhora no indicador estavam empatados, com 35% para cada um.

Por Leonardo Vieceli 

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