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FolhaPress

Varíola dos macacos faz brasileiros buscarem vacina abandonada há mais de 40 anos

Apesar do interesse recente, nenhum imunizante da varíola está disponível nem na rede privada nem no SUS

Foto: Reprodução

Mesmo sem registro no país, o surgimento de novos casos de varíola dos macacos no mundo tem levado brasileiros a procurarem pela vacina e por cartões de vacinação antigos.

Em um levantamento feito pela Abcvac (Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas) a pedido da reportagem, 73% dos associados responderam que aumentou a procura por um imunizante. Do total, 25% afirmaram que há “muita” demanda e 48%, que há “alguma” demanda.

Apesar do interesse recente, nenhum imunizante da varíola está disponível nem na rede privada nem no SUS (Sistema Único de Saúde).

“Essas vacinas hoje têm produção muito limitada. Elas são usadas apenas em militares que vão para expedição, profissionais de laboratório que manipulam o vírus da varíola, produtores de vacinas. São grupos muito específicos. Não há produção suficiente nem uso em nenhum [outro] lugar do planeta”, explica o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri.

A vacina da varíola parou de ser aplicada no Brasil em 1979 e, em maio de 1980, a Assembleia Mundial da Saúde declarou oficialmente a erradicação da doença. O histórico de vacinação virou motivo de piada -e de festa- para quem nasceu antes disso.

“Primeira vantagem que vi agora em ser velha. Eu tomei [a vacina]!”, escreveu no Twitter a psicóloga e roteirista Déia Freitas. “Não chequei meu cartão de vacinação porque não tenho mais, mas fiquei aliviada de saber que em 1975, ano em que nasci, todo mundo ainda era vacinado”, disse à reportagem.

Quem guardou o cartão de vacinação faz questão de exibir a relíquia. Nascido em 1965, o biomédico e professor Mario Cesaretti tomou três doses da vacina da varíola: em 1966, 1970 e 1973. Ele conta que, quando o assunto da vacinação veio à tona, não teve dúvidas de que o cartão estaria completo.

“Minha mãe era professora da escola de enfermagem do que hoje é a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela guardou o cartão de vacinação e deixou comigo. Está, inclusive, em um saco plástico. Quando a vacina fazia uma bolinha na pele, como se fosse uma lesão de varíola, eles escreviam ‘positivo’ no cartão. Na segunda vez [que tomei], a vacina não reagiu mais. Aí escreveram ‘negativo'”, conta.

Apesar da comemoração nas redes sociais, a avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Fonseca, é de que as pessoas que tomaram a vacina da varíola antes da década de 1980 não estão mais imunizadas. Fonseca integra o grupo consultivo criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para acompanhar o avanço da doença.

“Estudos mostram que a imunidade dura cerca de 30 anos. Pode ter uma variação para mais ou para menos, dependendo da pessoa. O mais certo de se pensar é que ela não está mais protegida porque um componente importante de proteção é a reapresentação ao patógeno [agente causador da doença]. No Brasil, com a erradicação da varíola, não houve uma nova estimulação”, explica.

Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), afirma que existem duas vacinas capazes de proteger contra a varíola dos macacos.

“O que se sabe até o momento é que a vacina da varíola que a gente administrava no Brasil tem eficácia de 85% contra a varíola dos macacos. Em 2019, nós tivemos a aprovação de uma nova vacina específica para a varíola dos macacos, mas ela não existe em larga escala”, diz.

Além do aumento da procura, a Abcvac identificou uma aparente confusão entre varíola e varicela, o vírus causador da catapora. “Muitas clínicas associadas pelo Brasil todo relataram a procura por uma vacina contra a varíola. As pessoas também estão querendo saber se a vacina de varicela protege do monkeypox [vírus da varíola dos macacos]”, afirma o presidente da associação, Geraldo Barbosa.

“É papel de cada clínica, enquanto estabelecimento de saúde, passar as orientações de que a vacina da varicela não protege contra o monkeypox e explicar que a vacina aplicada no passado contra a varíola não é mais usada há anos no Brasil”, diz Barbosa.

“O interesse por uma vacina contra a varíola foi proporcional ao destaque dado nos meios de comunicação e, infelizmente, a procura por vacinas disponíveis, como a de gripe, está em queda tanto no setor público, como no privado. Sobram doses”, complementa.

Kfouri afirma que, apesar do surgimento de casos em diferentes países, não há motivo para procurar o imunizante. “A gente ainda tem muitas dúvidas sobre como usar essas vacinas. Temos pouca informação sobre a doença, a forma de contágio, os grupos de risco. E temos pouca vacina. Hoje não há recomendação de estratégia de vacinação, seja para proteção individual, seja para saúde pública.”

DOENÇA

A varíola dos macacos é do gênero Orthopoxvirus, o mesmo da varíola, e tem sintomas similares ao dela, embora menos graves. A maioria dos pacientes se recupera em poucas semanas, mas há possibilidade de evolução para casos problemáticos.

O vírus tem duas variantes principais: a cepa do Congo, mais grave e com até 10% de mortalidade, e a da África Ocidental, com mortalidade de 1%.

O Brasil, até o momento, não registra casos suspeitos da doença. O governo federal montou um grupo de especialistas e emitiu um alerta aos estados com orientações para os profissionais de saúde sobre o diagnóstico e a notificação da doença.

Segundo especialistas, a transmissão se dá por contato próximo prolongado, não necessariamente sexual. O vírus pode entrar no corpo humano através do trato respiratório ou pelo contato, direto ou indireto, com fluidos contaminados.

Os sintomas incluem erupções cutâneas, febre, dores e calafrios.

Por Thaisa Oliveira

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