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Raul Seixas surge tão doente quanto extraordinário em livro escrito pela ex-mulher
FolhaPress

Raul Seixas surge tão doente quanto extraordinário em livro escrito pela ex-mulher

"Coisas do Coração", livro de Kika Seixas, ex-mulher do artista, foi lançado em maio

Um relato singelo, íntimo e carinhoso, que revela o brilho de Raul Seixas, mas não esconde os problemas e a tristeza causados por sua doença. Este é um resumo de “Coisas do Coração”, livro de lembranças que Kika Seixas, ex-mulher do artista, acaba de lançar.

Com linguagem coloquial e sem preocupação de ser uma biografia jornalística com diversos entrevistados, a obra traz exatamente o que diz seu subtítulo, “Minha Vida com Raul Seixas”. Terceira mulher de Raul e mãe de sua terceira e última filha, Kika também foi sua produtora e parceira musical entre 1979 e 1984, época em que viveram juntos.

“Estou com 69 anos e sabe como é, o HD já está ficando lotado”, conta Kika. “Resolvi escrever tudo isso antes de começar a esquecer as coisas. E minha filha estava sempre me perguntando passagens de nossa vida, como era o pai dela e coisas assim.”

Por causa disso, o livro foi pensado como um presente para a filha que os dois tiveram em 1981, a terceira de Raul. Essa filha, Vivi Seixas, que hoje é DJ profissional, recebeu o livro de memórias justamente quando fez 40 anos, no mês passado, no dia de lançamento de “Coisas do Coração”.

O relato é farto tanto para quem se interessa pelo compositor e artista de palco quanto para os curiosos em saber o dia a dia de Raul. O artista morreu em seu apartamento de São Paulo em 21 de agosto de 1989, aos 44, depois de passar pelo menos 15 anos bebendo e se drogando de modo colossal.

Durante o período em que Raul viveu com Kika, o alcoolismo já havia causado, ou causaria, diabetes, hepatite, hipertensão, pancreatite e ainda periodontite, uma infecção nas gengivas que o fez perder os dentes. Foi internado diversas vezes e teve parte do pâncreas retirado. “Há vários anos Raul tomava um copo de vodca com Fanta antes do café da manhã”, escreve Kika no livro, lembrando uma noite de 1980.

Depois de sua morte, Kika foi a força por trás dos shows (20), discos (cinco), livros (quatro) e exposições (três) relacionados ao “Baú do Raul”, que engloba o acervo cuidadosamente organizado pelo artista ainda em vida.

Para ajudar a pôr no papel suas histórias, Kika chamou o amigo Toninho Buda, envolvido na Sociedade Alternativa de Raul, e Paulo Coelho. Trabalhando à distância, Kika gravou 80 horas de depoimentos transformados em texto por Toninho, que assina como coautor. “Ele conseguiu reproduzir muito bem o meu jeito de falar”, elogia ela. Além disso, os dois passaram o ano passado checando e buscando dados em jornais da época, documentos e fotos.

O alcoolismo chega a ser motivo de anedotas, como a época em que Raul se inscreveu numa academia de ginástica ao lado de sua casa. Deprimido pela falta de trabalho, aceitou a sugestão de Kika e, três vezes por semana, ele vestia um short e, atenção, sapatos de couro com uma meia que ia até o joelho. “Uma coisa meio esquisita, mas saía todo disposto para a malhação”, escreve ela.

“A primeira coisa que notei foi que ele estava de volta em meia hora e sem nenhum sinal de suor ou mesmo de ter feito qualquer esforço físico. Passadas umas duas semanas, Raul continuava colocando aquela roupa hilária, como num filme do Gordo e o Magro.”

Até que Kika resolveu apurar o assunto. E a atendente da lanchonete da academia revelou que Raul vinha sempre. “Ele senta aí, nesse banquinho, e fica batendo papo e tomando uma cervejinha. Depois ele vai embora.”

Mas a realidade da doença é devastadora. “Nós conseguimos uma creche perto de casa, onde a Vivi pudesse passar a manhã brincado, enquanto nos dedicávamos à agenda de shows e compromissos. Quando ele ia levá-la, na volta parava nos bares e não voltava para casa. Algumas vezes, os próprios donos dos botecos vinham me procurar pedindo que eu fosse buscá-lo, porque ele não tinha condições nem de andar. Então eu pegava nossa filha na escolinha e depois vinha escorando-o, com porteiros, vizinhos e frequentadores dos bares assistindo àquele triste espetáculo na hora do almoço.”

Por outro lado, Kika conta as brincadeiras que Raul inventava para alegria da filha, como esconder seus brinquedos na geladeira ou procurar formigas com uma lanterna num quarto escuro. E não foram anos perdidos artisticamente.

Em 1983, Raul estourou com as crianças com a música “Carimbador Maluco”, encomendado para o especial “Plunct Plact Zuuum”, da Globo, que garantiu a ele uma série de shows e milhares de discos vendidos.

Além disso, ganhou mais discos de ouro e de platina do que nos anos 1970, que são sempre considerados –com razão– como seu melhor momento musical. Mas alguns de seus maiores sucessos, como “Rock das Aranhas” e “Aluga-se”, são dos anos 1980. E Kika conta detalhes saborosos sobre as composições.

A doença, no entanto, não largava. Em 1984, depois de anos cheirando cocaína, Raul trocou essa droga pelo éter, mais barato. “O que empesteava não só nosso apartamento, como o prédio inteiro. Comprava litros e litros com facilidade nas farmácias. Em desespero, cheguei a trancá-lo do lado de fora, mas ele ficava cheirando em algum canto da portaria.”

Kika acabou se mudando com a filha para o Rio de Janeiro nessa época, terminando o relacionamento. Cinco anos depois, após uma exitosa turnê e um novo disco ao lado de Marcelo Nova, Raul não acordou certa manhã. Seu legado foi intensamente lembrado pelos fãs no velório em São Paulo e em seu enterro, em Salvador.

E nunca morre. Seus discos estão nas plataformas de streaming. Há diversas biografias suas nas livrarias. E, em 2013, Bruce Springsteen abriu seu show em São Paulo com “Sociedade Alternativa”. É como se diz por aí -toca Raul!

Por Ivan Finotti.

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