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FolhaPress

‘Na nova era do conhecimento, bilhões são gerados sem a criação de um único emprego’, diz economista

Indicativo do quão poderoso se tornou o sistema financeiro mundial

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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O economista Ladislau Dowbor se surpreendeu com o drama financeiro enfrenado por uma amiga. Intelectual, com curso de mestrado, ela pegou R$ 4.000 emprestados de um grande banco de varejo. Até agora, pagou R$ 5.000. Mas ainda está devendo R$ 8.000.

O que poderia ser considerado mais um caso de juros abusivos no mercado brasileiro é, na verdade, um indicativo do quão poderoso se tornou o sistema financeiro mundial.

Aliado à tecnologia proporcionada por algoritmos mais precisos e velozes, o mundo das finanças minou o setor produtivo e, consequentemente, o trabalho e a renda, diz Dowbor, professor titular de pós-graduação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O que vem agravando a situação do trabalho no mundo é a economia intangível, baseada no conhecimento.
“Antes, o enriquecimento dos grandes grupos na indústria ou nos serviços dependia da geração de empregos”, afirma o economista, que já atuou como consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do sistema “S” no Brasil. Recentemente, suas pesquisas giram em torno das dinâmicas do sistema financeiro nacional e internacional.

Para fazer sapatos, por exemplo, diz ele, o empresário contratava gente, gerava o produto para a sociedade e pagava impostos ao governo, ficando com o lucro da operação.

“Mas na economia imaterial, o enriquecimento não é de quem produz, mas de quem intermedeia o processo”, diz. “O dinheiro que movimenta a economia hoje não é de papel, virou um sinal magnético. Apenas 3% da liquidez vêm das células. Sobre cada operação, existe uma tarifa de 2,5% a 5% paga por todos nós, do rico ao favelado.”

Dowbor, cita como exemplo grandes bancos no Brasil que, entre o segundo trimestre de 2020 e o segundo trimestre de 2021, aumentaram seus lucros em mais de 100%. “Isso com a economia parada”.

Ele vai além e destaca os 42 brasileiros que entraram na lista de bilionários da revista Forbes, que tem 315 nomes. “Entre 18 de março e 12 de julho de 2020, um período em que a economia estava em crise profunda com a pandemia, estas pessoas acumularam uma fortuna pessoal de US$ 34 bilhões [R$ 180,5 bilhões]. Com isso, seria possível pagar seis anos de Bolsa Família a 50 milhões de pessoas.”

São fortunas que se geram sem empregos, com lucros e dividendos que não pagam impostos, diz o economista. A exceção são os empregados do mercado financeiro voltados à gestão de grandes fortunas que, com a ajuda da tecnologia, fazem girar este sistema.

“Vemos um aumento dramático da desigualdade no mundo, com a concentração cada vez maior de fortunas no topo da pirâmide social”. Enquanto isso, diz, a classe média fica reduzida à “gig economy”, à economia dos bicos, que ganhou impulso na era do conhecimento.

“Parte dos R$ 20 que paguei por uma corrida de Uber da Lapa [zona oeste de São Paulo], onde moro, ao centro, vai para os acionistas da empresa nos Estados Unidos”, diz.

“Todo este sistema gera fortunas espantosas, são os algoritmos substituindo o trabalhador”, diz ele, autor ou coautor de 45 livros, a maioria acessível gratuitamente em seu site. Uma das obras mais recentes é “O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais” (Edições Sesc), em que aborda a atual transição para outro modo de produção, que deixa para trás a era industrial e inaugura a era do conhecimento.

Corporações como a Alphabet, dona do Google, e o Facebook faturam trilhões de dólares cada uma, mais do que o PIB do Brasil, destaca Dowbor. “E elas fazem apenas a intermediação da comunicação. Não pagamos nada para usar seus serviços, mas elas vendem publicidade.

Os anunciantes incorporam estes custos ao preço dos seus produtos ou serviços, pelos quais pagamos.”

O especialista lembra que, no Brasil, 31,5 milhões estão empregados em regime CLT, enquanto outros 11,8 milhões são funcionários públicos, o que gera um montante de 43,3 milhões de empregos formais. Mas o país soma 35 milhões de empregos informais, cuja renda atinge, em média, a metade da renda de um empregado.

“Existe uma enorme subutilização da força de trabalho no Brasil”, diz Dowbor. Além dos informais, o país tem 5,6 milhões de desalentados e 14,4 milhões de desempregados.

“São cerca de 55 milhões de pessoas que deveriam estar produzindo e não estão. Ver tantas coisas por fazer e ver tanta gente parada é de uma irracionalidade absurda”, afirma.

Em muitos locais na Europa, conta, as cidades são envolvidas por um cinturão verde, que gera empregos e recursos para os municípios, a partir de políticas locais de desenvolvimento integradas à comunidade.

Dowbor defende que esta subutilização e estrutural e não se trata mais de um desemprego conjuntural. “É uma piada dizer que o mercado de trabalho se resolve sozinho”, diz. “O nível de desemprego dos jovens de 16 a 29 anos já chega a 31%”, afirma.

“Muitos são de classe média e, não por acaso, quase metade deles quer deixar o país, por falta de oportunidades de trabalho.”

Texto: Daniele Madureira

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