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FolhaPress

Após disputar o Oscar com filme sobre Dilma, Petra Costa filma evangélicos

É justamente a relação entre o neopentecostalismo e a política nacional que Costa escolheu esmiuçar em seu documentário

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

À véspera da votação do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, a cineasta Petra Costa foi ao Congresso Nacional para filmar cenas do documentário “Democracia em Vertigem“, sobre a turbulência política pela qual o Brasil passava naquele período. Mas, logo que chegou, foi surpreendida por um deputado e pastor neopentecostal, que lhe entregou uma Bíblia e a evangelizou, pedindo que ela aceitasse Jesus.

“Deus vai governar”, ele dizia, ressaltando para a cineasta que os fiéis iriam tirar os “ímpios” dos Três Poderes. “Foi perturbador. Não era aquilo que eu esperava encontrar no Congresso brasileiro”, diz a diretora, que percebeu que havia ali material para outro filme.

É justamente a relação entre o neopentecostalismo e a política nacional que Costa escolheu esmiuçar em seu documentário.

“Apocalipse nos Trópicos”, que teve estreia mundial no Festival de Veneza nesta quinta-feira, fora da competição oficial.

Na mesma verve política de “Democracia em Vertigem”, que lhe rendeu uma indicação para o Oscar de melhor documentário, a diretora mineira apresenta o quanto a ascensão de Jair Bolsonaro esteve interligada à mobilização do eleitorado evangélico, público ao qual a esquerda não teria dado a devida atenção, mas inteligentemente cooptado pelas lideranças conservadoras aliadas ao então candidato.

A cineasta passou a ir a cultos e recolher depoimentos de evangélicos. Costa diz ter feito uma pesquisa de quatro anos, além de ter tido conversas com especialistas e ter lido a Bíblia. “Foquei muito no livro do Apocalipse. Estudei também a evolução do movimento evangélico, desde a Irlanda até os Estados Unidos, e descobri o quanto o crescimento evangélico é um dos principais elementos que configuram a política americana republicana hoje”, diz.

Em seu filme, Costa trata inclusive de um esforço de lideranças americanas de implementar o evangelismo no Brasil. “Claro que o movimento evangélico brasileiro tem elementos originais, mas houve esforços durante a Guerra Fria de mandar missionários ao Brasil com a intenção de evangelizar a população.”

O documentário tem o cuidado de não demonizar a fé evangélica, mas é uma grande denúncia da promiscuidade entre religião e muitas das decisões políticas. Antes de o filme ser lançado, Costa o apresentou a pequenas plateias de neopentecostais para captar que tipo de reações pode provocar.

Ela diz que a recepção “foi boa” e gerou o que chama de “um debate fascinante”. “A grande maioria se sentiu representada e gostou do filme. Achou que ele mostra a infiltração e a utilização da fé na política, e que isso é algo que não pode acontecer.”

No longa, uma figura surge com um poder de bastidores bem maior do que talvez se pense -o pastor Silas Malafaia, o grande conselheiro e estrategista da aproximação de Bolsonaro com o eleitor evangélico. O pastor e todos os entrevistados sabiam quem era Petra Costa antes dos depoimentos, mas ninguém se recusou a dar entrevista.

Ela diz ter sofrido ataques por um movimento orquestrado e pago pelo chamado gabinete do ódio na época de “Democracia em Vertigem”. “Teve um anúncio oficial da Secom, a Secretaria de Comunicação do governo federal, dizendo que eu era uma traidora do Estado.”

Mas houve também hostilidade da própria esquerda. Uma das principais marcas autorais da cineasta é a maneira pouco enérgica de narrar seus filmes, em primeira pessoa, atrelando o conteúdo de suas falas a uma sua visão pessoal, de uma mulher branca e de classe média. Grande parte das críticas formais a “Democracia em Vertigem”, aliás, foi justamente contra a morosidade em sua narração.

Pois desta vez, como que em um gesto de proposital afronta aos detratores, ela vem com uma narração talvez ainda mais pastosa, como se estivesse se autoparodiando. Mas é justamente o contraponto entre a fragilidade de sua oratória e o conteúdo ferino e grave que ela traz que costuma gerar um efeito desestabilizador no público. Na falta de saber como reagir, muitos a rejeitam.

“Na verdade, o hate é horrível. Qualquer pessoa que tem opinião sobre alguma coisa é odiada simplesmente por ter uma opinião, simplesmente pela falta de mediação das mídias sociais no Brasil”, teoriza a diretora. “Mas, se a gente se incomodar com as críticas, a gente não faz nada. Não tem receita para o sucesso, mas tem para o fracasso: querer agradar os outros”, ela diz, já adiantando que seu novo filme será um faroeste que mescla documentário e ficção. “Vai ser mais pessoal: também político, mas profundamente pessoal.”

Por Bruno Ghetti

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