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FolhaPress

Saiba como foi feita a música ‘Capitão de Areia’, que viralizou no TikTok

O compacto não fez sucesso na época

Foto: Reprodução

“Garoto abandonado na Bahia é capitão de areia/ É capitão de areia, é capitão de areia”. Os versos da música “Capitão de Areia”, inspirada no romance de Jorge Amado, estão fazendo sucesso de forma inusitada no TikTok.

Como trilha sonora para um vídeo de um cachorro batendo em um garoto ou para um do ex-jogador Zé Roberto, lá está ela. Em outro vídeo na internet, com os sósias de Neymar, do lateral Marcelo e Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, lá estão os mesmos versos viralizando novamente.

“Eu já contabilizei, aproximadamente, de 120 a 200 canais no Youtube que estão fazendo remixes”, diz o maestro Agenor Ribeiro, que em 1970 chegou a ser apontado por uma revista da época como candidato a novo Roberto Carlos.

Gravada originalmente em julho de 1964, a composição de Oswaldo Matheus e Zé do Violão tinha no vocal o garoto Agenor Ribeiro, na época com 12 anos.
Carioca de nascimento, Ribeiro começou a carreira aos nove anos, em Três Rios, no interior fluminense, após ganhar um concurso de imitação do palhaço Carequinha.

Em seguida, ainda criança, começou a cantar no conjunto Klaf, substituindo o cantor Carlos Alberto, que mais tarde ganharia de Chacrinha o título de “Rei do Bolero”.
Foi Carlos Alberto quem levou o garoto Agenor ao Rio para gravar na Philips um compacto simples com “Natal de um Menino Pobre” no lado 1 e “Capitão de Areia” no lado 2.

A produção teve a direção de João Araújo, pai de Cazuza. “Ele comentou comigo que também tinha um filho chamado Agenor”, conta Ribeiro sobre o nome real de Cazuza.
Os arranjos e a regência da orquestra, que contava com o flautista Dante Santoro, foram do maestro Guerra-Peixe. “Grande figura, viu? Trabalhamos juntos depois, na rádio MEC. Ele foi uma grande expressão da música com tendências jazzísticas, e um grande contador de piada”, diverte-se Ribeiro.

Apesar do time de peso, o compacto não fez sucesso na época. “Até porque a intenção era a música de Natal, e a Philips atrasou muito a prensagem do compacto, então quase não foi trabalhada. Isso até deu um aborrecimento com meu pai, que depois rescindiu o contrato”, diz Ribeiro.

Em 2018, depois de conhecer a canção através de um amigo DJ, o também DJ Rodrigo Vellutini, que assina o trabalho como Afterclapp, lançou “Capitão de Areia” em versão remix. Uma das versões no Youtube ultrapassa 8,1 milhões de visualizações.
“Eu lancei a minha versão e de repente começou a aparecer milhares de plays vindos da Rússia e da Ucrânia. Não entendi nada”, conta Vellutini.

O sucesso na Rússia veio depois que o gamer Marmok usou a música no fim de um de seus vídeos. Depois, vídeos russos de UFC começaram a usar o tema. “Whinderson Nunes usou no Reels recentemente, que foi uma das coisas que fez bombar no Brasil”, explica Vellutini.

Os russos, aliás, têm ligação afetiva com o baiano Jorge Amado. O filme “The Sandpit Generals”, rodado em Salvador em 1969, fez sucesso na União Soviética e foi citado pelo presidente russo Vladimir Putin como referência de sua infância.

“Eu tenho tocado ao vivo, a galera ama, canta junto”, conta o DJ, que chegou até a tocar uma versão diferente da sua, já sampleada por diversos grupos musicais. “Pra mim tem alguma magia ali que ressoa com as pessoas. Não sei explicar, mas tem alguma coisa que a galera se identifica”, avalia Vellutini.

Depois da gravação na Philips, Agenor Ribeiro continuou a carreira. “Eu cantava no programa do ator Paulo Gracindo, aos domingos, na rádio Nacional”. Por lá, conheceu Elis Regina, Emilinha Borba e Marlene. “Antes de ir para o palco, a gente ficava no corredor batendo papo”, conta. Na TV Excelsior, se apresentou no programa de César de Alencar. Na Tupi, foi ao de Flávio Cavalcanti.

Na adolescência, tocou órgão em conjuntos de iê-iê-iê, inspirado pelos Beatles e pela Jovem Guarda. “Com 18 anos, fui contratado pela CBS para gravar com Renato e Seus Blue Caps”. Foi quando Renato Barros deu a Ribeiro o nome artístico de Marcello. Nessa época, ele posou ao lado de Roberto Carlos na revista Amiga, junto a outros artistas tidos como possíveis substitutos do Rei.

Em 1978, fez parte da gravação de “Muito Romântico”, de Caetano Veloso, sucesso na voz de Roberto Carlos no ano anterior.
Na versão cantada por Caetano no disco “Muito”, Ribeiro foi creditado como Agenor Marcelo. “Não tem instrumental, só as vozes que acompanham. Eu participei como tenor no coral, o arranjo foi do médico baiano Perna Fróes”, recorda-se.

Mas Agenor Ribeiro por pouco não viu o renascimento de “Capitão de Areia”. Em 2020, infectado pela Covid-19, entrou em coma induzido e ficou entubado por nove dias. Como sequelas, teve que retirar a vesícula e desenvolveu uma catarata.

“Foi muito sofrimento. Cheguei ao momento em que pensei que morrer era mais fácil do que fazer essa força toda para continuar sobrevivendo”, revela o maestro, que mora em Vitória desde que se aposentou da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2013.

Depois da Covid, veio o sucesso tardio com a música que gravou quando era garoto. “Sinceramente, eu não esperava. Estou com 70 anos e, 58 anos depois, pra mim foi uma grande surpresa”, diz.

Por Lucas Fróes

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