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FolhaPress

Bruno Fratus achava que depressão era frescura, mas hoje quer discutir o tema

Após bronze em Tóquio, atleta decidiu tirar cinco semanas de férias

Bruno Fratus
Foto: Satiro Sodré/CBDA

Após conquistar em Tóquio sua primeira medalha olímpica (bronze nos 50 m livre), Bruno Fratus decidiu tirar cinco semanas de férias ao lado de sua treinadora e esposa, Michelle Lenhardt.

O resultado na natação fez ele ganhar reconhecimento e popularidade, uma visibilidade que ele quer usar para falar sobre saúde mental, pauta que ganhou holofotes durante as Olimpíadas.

“Não é só atleta que sofre com sua saúde mental, o jornalista, o médico, o garimpeiro, o chapeiro da padaria, todo mundo”, diz ao jornal Folha de S.Paulo.

“Eu era daqueles que achava que a depressão se resolve com um ‘anima aí, levanta e dá um sorriso’, achava que era frescura, sabe esse tipo de coisa? E aprendi, do jeito difícil, que é sério”, conta.

Aos 32 anos, Fratus recebeu a reportagem em um hotel na Vila Olímpia, bairro em que passou boa parte de sua vida, na zona sul de São Paulo. Na conversa, comentou a relação com o ex-nadador Cesar Cielo e revelou que pretende não beber álcool até as Olimpíadas de Paris, em 2024, quando tentará ganhar uma medalha de outra cor.

PERGUNTA – Cinco anos depois, o que deu errado na final da Rio-2016?

BRUNO FRATUS – Sem sacanagem, deu tudo errado. Confesso que é difícil falar disso de uma maneira compacta e organizada, porque é muita coisa que vem na cabeça. Da minha parte, posso dizer que me lesionei muito cedo no ano [fevereiro] e carreguei essa lesão até os Jogos.

A gente costuma dizer que “tentou demais”. No hotel sempre tinha alguém querendo dar boa sorte. Na Vila [Olímpica], alguém querendo apertar a mão. No banco de controle antes de nadar, o cara faz assim [um sinal positivo]. Quando você sai na piscina, todo mundo grita ‘Bruno, Bruno’.

É lindo, ao mesmo tempo que foi a pior competição da minha vida, disparado. Mas foi a competição mais bonita da minha vida também, porque lembro e me emociono até hoje. Ninguém estava preparado. Como você se prepara para algo que nunca viveu na vida? Ter que improvisar nas Olimpíadas, deu nisso.

Depois da Rio, você teve depressão. Faltou cuidado com a parte emocional?

BF – Se houve negligência, foi da minha parte, pessoal. Assumo o erro. Eu era daqueles que achava que a depressão se resolve com um “anima aí, levanta e dá um sorriso”, achava que era frescura, sabe esse tipo de coisa? E aprendi, do jeito difícil, que é sério, que você precisa de ajuda profissional e que o tratamento é demorado.

Em Tóquio, antes da prova, a Michelle lhe disse para ser feliz na piscina. Foi diferente?

BF – A gente foi para Tóquio certo que eu ia me aposentar, que era minha última prova da vida. Então essa prova da final tinha um quê de final feliz. E foi uma linha muito tênue entre estar relaxado e nem sequer se importar com o que estava acontecendo ali. Tive lapsos de momentos antes da prova que parecia que eu não me importava.

O que mudou no último ciclo olímpico para a saúde mental estar em pauta?

BF – Os atletas perderam o medo de se abrir, de mostrar fraqueza. O medo diante de não se ver como super homem encurralava os atletas. Quando você tenta ser o super-homem o tempo todo, 24 horas por dia, sete dias por semana, não aguenta.

Lógico que quando se está competindo e treinando com o objetivo de ser o melhor no que faz, você tem que criar uma casca grossa. Mas chega um ponto que é difícil deixar de ser rígido. Você começa a conquistar coisas em cima dessa rigidez e a acreditar que você conquistou por conta dessa resistência. E até você entender que não foi isso, que isso está mais te atrapalhando do que ajudando, demora.

Estamos diante de uma mudança no ideal de atleta?

BF – É um paradigma que está sendo quebrado, um tabu. Estamos desmistificando. É um lembrete de que todo mundo é humano, um lembrete sobre igualdade. Me dá a esperança de que a gente esteja evoluindo como sociedade. Por exemplo a Simone Biles: ela desistiu? Foi uma decepção ou ela teve que superar algo que estava passando para ganhar aquele bronze?

Esse debate tem efeito fora do esporte também?

BF – Fico feliz que esse assunto esteja sendo tratado agora, liderado pelo esporte. Não é só atleta que sofre com problemas de saúde mental. O jornalista, o médico, o garimpeiro, o chapeiro da padaria, todo mundo. Espero que essa conversa seja estendida para além do esporte. As pessoas vivem de segunda a sexta se matando de trabalhar para chegar no sábado e encher a cara para ver se relaxa. Isso não traz saúde. A pessoa trabalha dos 20 aos 70 anos para tentar acumular o máximo de dinheiro possível, para depois estar velho, morto de stress, com pressão alta, diabetes, um corpo que não consegue viver.

Como tem sido a vida desde Tóquio?

BF – Quando você chega em casa, parece uma ressaca. A gente se deu cinco semanas depois dos Jogos. A minha cabeça não está funcionando direito até hoje, o corpo está cansado, dolorido, por uns três dias você só quer saber de dormir. Foi legal [ficar em casa], mas as Olimpíadas são mais legais. E tem sido muito legal receber o reconhecimento das pessoas de fora do meio da natação. Essa medalha olímpica, para fora, é como se eu tivesse começado a nadar agora, as pessoas me conheceram.

Como é hoje sua relação com o Cesar Cielo?

BF – Nosso relacionamento sempre foi cordial. Costumo dizer que somos duas pessoas diferentes, lógico, com todo respeito.

Lembro que o conheci mesmo em 2006. Eu era recém-saído do juvenil e perguntava para ele qual era a melhor alternativa para me desenvolver no alto rendimento, e ele me ajudou. Vim para o Clube Pinheiros por indicação dele.

A natação não teria o patamar que atingiu hoje se não fosse por ele, especificamente as medalhas de Pequim-2008, principalmente o ouro. Mudou completamente o patamar, a natação brasileira pode ser dividida entre antes e depois de 2008.

Essa imagem de ser o ‘cara mal’, o ‘anti-herói’, incomoda você?

BF – Me incomodava a comparação com ele, mas a questão da rivalidade é saudável, arrisco dizer que é extremamente necessária. A natação às vezes é um esporte chato de se acompanhar, a gente tem dificuldade de engajar torcedores. E a rivalidade transforma o esporte, essa semântica é um pouco mais interessante para quem é de fora.

Alguém vai me criticar e vai dizer que estou me achando. O esporte precisa disso, porque até a pessoa que vai me criticar por falar isso vai assistir uma competição de natação, nem que seja para torcer contra. Então não me incomoda, sempre gostei.

Você se arrepende de algo na carreira?

BF – Não, mas tenho algumas curiosidades: saber o que teria acontecido se eu tivesse ido nadar por uma universidade nos EUA, saber o que teria acontecido se eu e o César tivéssemos tentado se ajudar lá atrás, em 2008, 2010, treinado juntos e tentado evoluir em conjunto, que é algo que falta um pouquinho na natação brasileira, um pouquinho de união enquanto comunidade.

Do que você sente falta na natação brasileira?

BF – Gostaria de fazer um debate, uma discussão um pouco mais profunda, do porquê a gente não é a potência que a gente poderia ser. Por que a gente tem pontos muito bons na nossa seleção (como a longevidade dos atletas), ao mesmo tempo que a gente tem um problema de renovação não só de atletas, mas de critérios, de profissionais? Por que o pessoal nada melhor na seletiva do que na competição?

Por João Gabriel

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