Pelé antes de existir Pelé, Zizinho faria 100 anos nesta terça (14)
Jornalista santista Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney, contesta os elogios desmedidos ao atacante tricampeão mundial pela seleção
Em seu livro “A verdade sobre Pelé”, o histórico jornalista santista Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney, contesta os elogios desmedidos ao atacante tricampeão mundial pela seleção.
Seu argumento é que cada época do futebol brasileiro teve um supercraque e todos possuíam o mesmo valor. Pelé representou isso em sua época.
Antes dele, houve Zizinho.
O próprio Pelé seria capaz de reconhecer isso. Thomaz Soares da Silva foi seu ídolo, um dos maiores camisas 10 da história do país. Esta terça-feira (14/9) é aniversário de 100 anos do seu nascimento. Nas décadas de 1940 e 1950, o meia se tornou referência de uma geração jovens que depois seriam profissionais.
“Zizinho foi extraordinário. Era o meu ídolo, um jogador capaz de dar passes incríveis.”, conta Evaristo de Macedo, que viu o craque atuar quando era adolescente no Rio de Janeiro.
Eles foram depois companheiros de equipe. Evaristo era um menino que começava no futebol e depois seria ídolo no Real Madrid e Barcelona. Zizinho, já veterano, estava no final da carreira.
Eleito melhor jogador da Copa do Mundo de 1950, inventor do que ficou conhecido como “drible em ziguezague”, o armador se tornou pioneiro em outros aspectos fora de campo. Foi protagonista de uma das primeiras transferências polêmicas do futebol nacional. Rebelou-se por causa de premiações na seleção, algo inédito.
Amante do samba (gostava de acreditar ser sambista), amigo de músicos e morador durante quase toda a vida em Niterói, Zizinho propagou uma lenda sobre si mesmo: a de que não gostava de colocar as travas da chuteira sobre a bola. Em uma crônica, o jornalista Armando Nogueira contou que certa vez, quando atuava pelo Bangu, o jogador pediu que Aristides, sapateiro da equipe, arrancasse todos os cravos da sola da chuteira.
“Eu não gostava de arranhar a bola. Ela foi o amor da minha vida”, disse anos depois, já aposentado.
Foi por causa disso que Nelson Rodrigues escreveu não haver “bola no mundo que seja indiferente a Zizinho.”
Foi batizado pela imprensa com apelido que perdura até hoje: Mestre Ziza. Começou a ser chamado assim pelo torcedor flamenguista Ciro Monteiro. Mestre era como se referia a ele o narrador Oduvaldo Cozzi.
Ao contrário de outros boleiros da sua geração, Zizinho sempre teve consciência da própria genialidade e, instigado, falava sobre vitórias épicas e partidas que, na teoria, ganhou sozinho. Beneficiou-se também pelo lirismo do jornalismo esportivo da época.
O cronista Geraldo Romualdo da Silva, que trabalhou no extinto Jornal dos Sports e em outros diários esportivos do Rio, publicou que “quando os outros sucumbiam diante dos fortes e violentos beques, Zizinho ia mais à frente e, com fibra e coração, abria espaço e marcava os gols”.
Após a goleada brasileira por 6 a 1 para a Espanha, em 1950, foi chamado de “Leonardo da Vinci do futebol” por repórteres europeus. O torneio foi sua maior tristeza na carreira por causa da derrota para o Uruguai na final. Setenta anos depois, em entrevista à TV Globo, em 2000, teve de interromper a gravação para enxugar as lágrimas ao falar da partida. Revés traumático para ele que, quando perdia um jogo, queria ter outro no dia seguinte para buscar a revanche.
O craque morreria dois anos depois, em 2002, em decorrência de problemas cardíacos. Tinha 80 anos.
A Copa de 1950 foi a única em que atuou. Ele não disputou em outras por misto de azar, arrogância dos dirigentes e conservadorismo de treinadores.
Zizinho seria nome certo na seleção nos mundiais de 1942 e 1946, ambos não realizados por causa da 2ª Guerra Mundial. Seria titular em 1954, mas estava afastado da seleção. Ele reclamou publicamente do corte da premiação do elenco no Sul-Americano de 1953. O escritor José Lins do Rego, chefe da delegação, escreveu relatório para a CBD (Confederação Brasileira de Desportos, depois chamada de CBF). Afirmou que o meia jamais deveria ser convocado novamente.
O Brasil foi eliminado pela Hungria, nas quartas de final, com um futebol mais bruto do que bonito. Depois da queda, Zizinho voltou a ser chamado.
Sua última chance seria em 1958. Ele havia levado o São Paulo no ano anterior ao título paulista. Mas o técnico Vicente Feola se convenceu de que o veterano de 37 anos não tinha lugar em sua equipe após a perda do título do Sul-Americano de 1957.
“O que me chateia é que na seleção fiquei com fama de jogador indisciplinado. Eu nunca fui isso”, garantia.
Quando Feola o esnobou, o Brasil já tinha o garoto Pelé, então com 17, para vestir a camisa 10.
Nascido em Neves, subúrbio de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, Zizinho foi o maior jogador da história do Flamengo até o surgimento de Zico, na década de 1970. Foi levado para o clube pelo técnico Flavio Costa depois de o garoto ser reprovado em teste no América-RJ, seu clube do coração.
Ganhou os títulos estaduais em 1939, 1942, 1943 e 1944. Em 1950, causou furor no futebol do estado ao trocar o Flamengo pelo Bangu. Parte da imprensa o chamou de “mercenário”. Foi um dos primeiros do futebol a receber a ofensa que depois seria repetida a muitos outros. O time do subúrbio dobrou seu salário, que passou a ser de 14 mil cruzeiros mensais. Em valores atuais, são R$ 26.380.
Em entrevista à ESPN no início deste século, a versão de Zizinho para o episódio era diferente. O presidente do Flamengo, Dario de Melo Pinto, teria acertado vendê-lo porque desejava receber uma concessão para explorar jogos de loteria.
O ministro da Fazenda era Manuel Guilherme da Silveira e seu filho, Guilherme da Silveira Filho, era cartola do Bangu. Ele teria dito que Pinto receberia a concessão se Zizinho fosse negociado, o que aconteceu.
O armador ficou na equipe até 1957, quando foi para o São Paulo por um ano. Atuou ainda no Uberaba antes de se aposentar após rápida passagem pelo Audax Italiano (CHI), em 1962.
Depois de parar de jogar, teve um caminho que hoje seria inimaginável para alguém da sua categoria e fama no futebol: trabalhou como fiscal da Fazenda.
Sempre que era procurado pela imprensa, contestava inovações que dizia já ter visto no passado. Irritava-se quando ouvia que Zagallo havia inventado o esquema tático 4-3-3 na Copa de 1970. Dizia que o uruguaio Ondino Vieira havia utilizado a formação no Vasco em 1945.
Zizinho continuou fanático por futebol até o final da vida. Também adorava ver outros esportes pela televisão. Sua opinião volta e meia era buscada por jornalistas porque na memória de muitos que o viram jogar, ele estava no mesmo patamar de Pelé.
“Uma das coisas fundamentais do futebol é fazer as coisas com facilidade. Muitas vezes, a velocidade é confusa. Dominando bem a bola, você ganha tempo. Perde-se ao fazer tudo a 100 quilômetros por hora”, definiu.
Por Alex Sabino