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FolhaPress

‘Quero prisão, não dinheiro’, disse mulher que acusa Dani Alves a advogada

Jogador está preso provisoriamente na cidade da Catalunha desde a última sexta-feira (20)

Daniel Alves

Desde o dia em que ela prestou depoimento, a mulher que acusa Daniel Alves de tê-la estuprado em Barcelona não tem conseguido dormir. Quem detalha a rotina da jovem de 23 anos é sua advogada, Ester Garcia López, que falou pela primeira vez com a imprensa na quarta-feira (25). Ela concedeu uma entrevista exclusiva de mais de uma hora ao UOL. O jogador está preso provisoriamente na cidade da Catalunha desde a última sexta-feira (20).

Desde o dia em que ela prestou depoimento, a mulher que acusa Daniel Alves de tê-la estuprado em Barcelona não tem conseguido dormir. Quem detalha a rotina da jovem de 23 anos é sua advogada, Ester Garcia López, que falou pela primeira vez com a imprensa na quarta-feira (25). Ela concedeu uma entrevista exclusiva de mais de uma hora ao UOL. O jogador está preso provisoriamente na cidade da Catalunha desde a última sexta-feira (20).

Segundo a advogada, a mulher tem feito tratamento psiquiátrico, e feito uso de antivirais para evitar infecções sexualmente transmissíveis -uma vez que, ainda de acordo com Ester, Daniel Alves não teria usado camisinha durante o estupro. O principal desafio da advogada tem sido distanciar a mulher dos noticiários. “Tentamos preservá-la a todo custo”.

UOL – Qual sua avaliação em relação ao caso até o momento?

Ester Garcia López – Depois da denúncia de minha cliente, teve início uma série de diligências de investigação, que continuam acontecendo. Depois do depoimento da parte afetada e do depoimento do senhor Alves, a juíza decidiu pela prisão preventiva comunicada e sem fiança.

UOL – Pode-se dizer que esse é o caso com mais indícios que a senhora já defendeu?

Ester Garcia López – É um caso com mais indícios que o comum, de fato, e não acho que seja porque o denunciado seja um personagem público. Há mais indícios porque as coisas foram feitas de forma imediata. Minha cliente saiu da discoteca em uma ambulância e isso já mostra como a atuação foi imediata. Há muitas vezes que as mulheres demoram 15 dias, um, dois meses para denunciar. Com isso, muitas provas desaparecem: já não há roupas íntimas, já não se pode fazer o protocolo de qualquer hospital de coleta de DNA. No mesmo dia dos fatos, essa mulher foi atendida. Ela não denunciou no mesmo dia, mas os policiais já começaram a trabalhar naquela mesma madrugada.

Isso é muito importante. Chegando ao hospital já pediram para ela deixar sua roupa íntima; outra mulher poderia ter ido para casa, tomado banho, talvez pelo sentimento de nojo tivesse colocado a roupa para lavar. Insisto: há muitos indícios neste caso e não os vinculo a ser um personagem público, mas sim pela atuação muito rápida.

UOL – Como está a sua cliente, física e psicologicamente?

Ester Garcia López – Ela está recebendo apoio psicológico através de uma entidade pública, especializada em tratar vítimas de violência. O Hospital Clínic prescreveu todo um tratamento dirigido a evitar qualquer tipo de doença infectocontagiosa, porque não foi utilizado nenhum preservativo. Ela também tem um tratamento farmacológico com ansiolíticos para poder dormir, mas me disse que não consegue dormir desde o depoimento. Estamos tentando, também, que ela fique o mais afastada possível de meios de comunicação, que não veja TV ou escute nada, para não se abalar, mas é difícil. O caso está em todas as TVs por ele ser o personagem que é. Há estupros toda semana, mas não tem essa repercussão. O medo dela é ser identificada em algum momento. Isso ela quer evitar a todo custo.

UOL- Foi noticiado que sua cliente não quer nenhum tipo de indenização. Mas, pela lei, ela tem direito a essa indenização. O que motivou essa decisão?

Ester Garcia López – Que bom que vocês tocaram neste assunto. Porque estou farta de que digam que é uma estratégia, para que ela tenha mais credibilidade como denunciante. Eu fiquei impactada, porque eu dou assessoramento jurídico gratuito e logo na primeira visita eu disse tudo a que ela tinha direito, os procedimentos, e a indenização. Eu expliquei logo no primeiro dia, uma semana antes de estourar tudo. Eu lembro do olhar dela. Ela me olhou e disse: “Ester, eu tenho a sorte de ter boas condições de vida, e não quero indenização, quero prisão”. Ela foi muito taxativa nisso, e isso me impactou. Eu disse “eu sei, mas você tem direito a indenização, porque houve lesões físicas, e vai haver sequelas, danos morais”. E ela insistiu, disse: “Não quero dinheiro”. A frase dela foi: “Se tiver dinheiro de indenização envolvido, eu não vou contratar você”. Ela, desde o primeiro minuto, me disse que não. Isso ninguém sabe.

UOL – Essa decisão se manteve ao longo da investigação?

Ester Garcia López – Sim. Quando a juíza perguntou se ela pediria indenização, ela disse que não. A juíza insistiu, dizendo que ela tem direito de pedir essa indenização. E minha cliente disse de uma forma muito firme que não queria dinheiro, que queria justiça. Disse exatamente assim. Lamentavelmente, muitos meios de comunicação estão dizendo que é uma estratégia. São estereótipos, como sempre: que se ela não pedir indenização teria mais credibilidade. Não, ao contrário: eu insisti que ela tinha direito. Mas temos que respeitar a decisão dela. Eu preferia que ela tivesse aceitado, porque é um direito dela. Mas se ela não quer porque é uma mulher que felizmente não precisa, eu vou respeitar, não vou pedir que ela faça o contrário, ela vai se sentir pior. A decisão é dela.

UOL – Quais foram os motivos que levaram à prisão provisória?

Ester Garcia López – Foram três motivos. O primeiro deles é a existência de indícios -indícios, não estamos falando de provas porque é uma fase muito inicial do procedimento- que permitiriam atribuir um suposto delito de agressão sexual, com pena de até 12 anos de prisão. A existência desses indícios corrobora a investigação, que foi efetuada por uma unidade que aqui se chama UCAS (Unidade Central de Agressão Sexual), uma unidade específica da polícia da Catalunha que se dedica a investigar esse tipo de delito. Além das contradições que apresentavam os depoimentos do senhor Alves. O depoimento de nossa cliente não tinha nenhuma falha. Já o dele tinha várias. O segundo motivo foi o risco de fuga. Ele é uma pessoa com capacidade financeira grande, que não residia na Espanha e que tem dupla nacionalidade. Haveria muita dificuldade de extradição para a Espanha caso ele pisasse em território brasileiro. O terceiro motivo foi proteger os bens pessoais da nossa cliente. Preservar a sua identidade e que não houvesse uma obstrução à Justiça.

UOL – Como o protocolo de atenção às vítimas de agressão, o “No Callem”, implementado na Catalunha, foi importante para o início da resolução desse caso?

Ester Garcia López – A rapidez com que iniciaram o protocolo foi essencial. Tudo aconteceu naquela mesma madrugada: um segurança, ao ver o estado em minha cliente estava, perguntou o que tinha acontecido, a levou para uma sala separada e foi nesse espaço que ela explicou o que aconteceu. Por ela apresentar algumas lesões, chamaram a ambulância e a polícia, ela foi conduzida ao Hospital Clínic, que o hospital referência no atendimento de agressões sexuais em Barcelona, e a polícia já começou a fazer investigações, a interrogar profissionais da discoteca, a recolher provas dentro do local, a pegar a imagens das câmeras do circuito de segurança. Essa ação imediata foi o que levou a investigação a ter indícios contundentes de uma maneira muito rápida. É isso que deve acontecer: quando uma mulher é agredida, a ação deve ser imediata.

UOL – As vítimas de agressão sexual na Espanha geralmente são respeitadas e acolhidas pela polícia quando denunciam ou esse caso foi uma exceção?

Ester Garcia López – Esse caso foi uma exceção. Depende dos profissionais que atendem cada caso. Depende da sensibilidade, da formação. Nem todas elas são atendidas nas Unidades Centrais de Agressões Sexuais (UCAS); há mulheres que vão prestar queixa e vão na delegacia mais próxima, e são atendidas por policiais que trabalham em todos os tipos de casos. Muitas delas, quando denunciam, se sentiram questionadas e isso desencoraja. Não aconteceu nesse caso: a UCAS deu um ótimo tratamento à minha cliente. Mas há muitos casos em que se sentem questionadas, não apenas na unidade policial, mas diante do juiz.

UOL – A senhora diz que no caso da sua cliente não houve esse questionamento ostensivo. Depois do procedimento de coleta de indícios, como foi o desenrolar do caso?

Ester Garcia López – A juíza é muito experiente em assuntos judiciais e realmente escutou as duas partes. Os depoimentos foram muito longos. Obviamente há perguntas que deixam a cliente incomodada, porque tem que explicar alguns detalhes que são difíceis, mas que são importantes na hora de qualificar os fatos em um momento posterior. Mas neste caso tudo funcionou como deveria. Essa luta de profissionais e entidades vai avançando pouco a pouco. Nós temos que elogiar os pontos positivos, mas também mostrar o que não funciona para que haja mais formas de seguir nesta luta, e que as profissionais (juízas) que tratam esses temas possam se sensibilizar mais.

UOL – Pelo fato de envolver Daniel Alves, um jogador famoso, e que foi preso, este caso pode ser um divisor de águas nos episódios de agressão sexual?

Ester Garcia López – Independentemente de como acabe o caso, para mim já é um caso exemplar por como começou. Há alguns personagens públicos que se acham acima do bem e do mal, que acham que nunca acreditariam em uma garota como minha cliente. Há muitas mulheres que não denunciam quando se trata de um personagem público por causa da dificuldade em nível emocional e judicial. Mas acho que neste caso, acabe como acabar -espero que acabe com uma condenação-, a prisão sem fiança já é exemplar.

UOL – Qual é a importância do depoimento da vítima em um caso como esse?

Ester Garcia López – A lei por si só não mudou o peso da declaração da vítima. Em qualquer tipo de agressão sexual, antes ou depois da nova lei, o depoimento da vítima é fundamental. Uma vítima de agressão sexual presta vários depoimentos: explica os fatos quando chega ao hospital, volta a explicar na delegacia, tem que voltar a falar no juizado, só aí há três depoimentos que precisam ser persistentes com o tempo. Não pode haver contradições. Isso parece fácil, mas não é. Quando uma mulher tem um stress pós-traumático -porque este é um fato traumático- é normal que ela tenha alguns lapsos de memória, e que com o passar dos dias ela se lembre de fatos que não relatou, mas que aconteceram. Isso acontece normalmente por meio de pesadelos, elas têm lembranças, porque não têm a sequência completa de tudo o que aconteceu.

UOL – Ser consistente num depoimento sobre uma violência tão íntima é atípico, como a senhora disse. No caso da sua cliente, isso interferiu positivamente na decisão da juíza?

Ester Garcia López – Acredito que sim. Por sorte, minha cliente praticamente não tinha bebido, e isso é importante, porque em casos de submissão química -quando se misturam álcool e medicamentos- pode haver lapsos de memória imensos. Nesse caso isso não aconteceu, e isso ajudou para que a declaração fosse persistente. Ela tem alguns pequenos lapsos de memória, mas é pelo choque traumático, não pela ingestão de álcool. São lapsos que não influem nos fatos mais importantes para a investigação.

UOL – Alguma outra vítima deste caso entrou em contato com a senhora?

Ester Garcia López – Não.

UOL – Há uma amiga da vítima que também declarou ter sido molestada por ele, isso procede?

Ester Garcia López – Sim, há outra mulher que foi tocada por ele.

UOL – O novo advogado da defesa (Cristóbal Martell) é conhecido por fazer muitos acordos, muitos deles para evitar chegar ao julgamento. Em um caso como este, e com uma cliente que não quer indenização, há alguma chance de acordo?

Ester Garcia López – Inicialmente, não. O senhor Martell é um advogado muito bom, e um grande profissional. Também comentaram comigo que ele faz muitos acordos, mas eu vou defender os direitos da minha cliente. Se ela não quiser um acordo, não tem acordo. Meu medo é que comecem a exercer uma pressão midiática para que ela chegue a um momento em que diga “não aguento mais”. Por isso eu me preocupo com esse excesso de informações vazadas, porque eu tento preservá-la ao máximo. Nenhum advogado oferecerá um acordo em um momento tão inicial, e vai depender do curso das investigações. Eu fiz poucos acordos em 23 anos de carreira. Enquanto minha cliente diga que não quer fazer um acordo, a voz dela está acima da minha. Eu vou respeitá-la.

UOL – Após o ocorrido, o amigo que estava com Daniel Alves na discoteca tentou contato com a vítima por uma mensagem no Instagram?

Ester Garcia López – Não. A única coisa que posso dizer é que não houve contato do amigo do senhor Alves com a vítima.

UOL- Nos próximos dias a defesa deve apresentar um recurso. Quais são os próximos passos, prazos e trâmites do caso?

Ester Garcia López – Uma vez que eles apresentem o recurso, vão transferi-lo a mim e ao Ministério Público, que obviamente vamos nos opor a ele, e solicitaremos a manutenção da situação de prisão preventiva. Esses pedidos serão levados à Audiência Provincial de Barcelona, que é quem vai decidir em que situação o senhor Alves ficará. Paralelamente, as investigações continuam. Até agora prestaram depoimento o senhor Alves, um amigo dele, a parte prejudicada, mas há muito mais pessoas para prestarem depoimento: trabalhadores da discoteca, por exemplo. Terão de ser feitos exames biológicos, algumas de impressão digital? Ou seja, paralelamente ao trabalho da defesa para colocá-lo em liberdade ou tentar, as investigações continuarão.

UOL – Quanto tempo deve durar esse processo todo?

Ester Garcia López – O prazo máximo das investigações é de um ano, mas pode ser prorrogado. Se ele continuar em prisão preventiva, entende-se que é uma causa preferencial, por isso costuma andar mais rápido, quando o investigado está privado de liberdade. Mas neste momento abre-se uma fase de coletar provas. Quem acusa é quem tem a tarefa de fornecer as provas, portanto continuaremos pedindo provas para apresentar à juíza de instrução.

Por Talyta Vespa e Thiago Arantes 

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