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Ligado ao lobby imobiliário, Eric Adams caminha para se tornar 2º prefeito negro de Nova York

Com votação marcada por desorganização e erros de contagem do Comitê de Eleições local, a vitória do ex-senador estadual e capitão aposentado da polícia nova-iorquina foi apertada, mas expressiva

Lúcia Guimarães

“Segurança, segurança, segurança.” Essa foi a resposta do candidato a prefeito Eric Adams quando lhe perguntaram, após a vitória nas primárias democratas de Nova York, quais as prioridades de seu governo. O aumento dos crimes violentos pela primeira vez em 30 anos sem dúvida impulsionou a campanha do ex-policial, que, em novembro, deve vencer a eleição geral, já que o candidato republicano, Curtis Sliwa, tem poucas chances numa cidade de maioria democrata.

Com votação marcada por desorganização e erros de contagem do Comitê de Eleições local, a vitória do ex-senador estadual e capitão aposentado da polícia nova-iorquina foi apertada, mas expressiva. Entre as cinco regiões administrativas de Nova York, ele só não ganhou na ilha de Manhattan.
Adams é atualmente administrador regional do Brooklyn e atraiu uma coalizão diversa de eleitores, que vai da conservadora e predominantemente branca Staten Island a bairros latinos de classe média no Queens e no Bronx. Aos 60 anos, ele deve se tornar o segundo homem negro a se eleger prefeito em Nova York. O primeiro, David Dinkins, governou a cidade de 1990 a 1993 e morreu em novembro passado.

Adams atribui o resultado das primárias à sua biografia. Com a vitória em novembro praticamente garantida, a dúvida agora é sobre qual Eric Adams vai governar os 8,4 milhões de habitantes da maior metrópole americana. O candidato que acordou nesta quarta-feira (7) dizendo que os nova-iorquinos se identificaram com ele, “alguém que foi abusado pela polícia e se tornou policial”, ou o militante que defendia o controverso e antissemita líder do grupo Nação do Islã, Louis Farrakhan, nos anos 1990?

É, ainda, o candidato que garantiu um assento no Senado estadual em Albany, em 2006, graças a um acerto com caciques do Partido Democrata ou o Adams que se declarava um “republicano conservador”, com registro no Partido Republicano, em 1999? Detratores do provável próximo prefeito dizem que ele é filiado ao partido de Eric Adams, o que pode explicar o apoio a Farrakhan num momento e, anos depois, alianças forjadas com a influente e numerosa comunidade ortodoxa judaica do Brooklyn.

Apesar de ser uma cidade relativamente progressista, Nova York ainda é um território de caciques políticos e de negociações de bastidores, em que o dinheiro de lobistas corre solto. Adams, cuja inteligência afiada é reconhecida por admiradores e críticos, conhece as regras do jogo. Sua campanha foi generosamente financiada por empresários do poderoso establishment imobiliário, na cidade com o metro quadrado mais caro do país e com maior número de apartamentos para locação.
Os nova-iorquinos de classe média que votaram preocupados com a segurança pública não devem esperar de Adams proteções como controle de preços do aluguel. Ele é proprietário de imóveis e foi acusado de pouca transparência, não registrando ao menos um apartamento.

Quando questionado sobre o tema, disse que regular aluguéis discrimina pequenos proprietários “negros e marrons” como ele. A maioria dos apartamentos para locação em Nova York, porém, pertence a empresários com dezenas de propriedades, e o lobby imobiliário é predominantemente branco.
Ainda na seara imobiliária, reportagem do site Político publicada no começo de junho sugeriu que Adams não morava na cidade que quer administrar, num prédio que possui no bairro do Brooklyn, mas no apartamento de uma namorada, no estado vizinho de Nova Jersey. O candidato então convocou repórteres e fez um estranho tour pela residência no Brooklyn que foi objeto de piadas impiedosas.

A relação da imprensa política com os prefeitos em Nova York é tradicionalmente colorida por confrontos, e um governo Adams já se anuncia belicoso. Quando as urnas das primárias fecharam, em 22 de junho, dois repórteres foram barrados do evento de campanha em que Adams discursaria. O que tinham em comum? Ross Barkan e David Freedlander publicaram reportagens críticas sobre o candidato.

O democrata deve assumir o governo como um homem forte, tendo cortejado interesses especiais da máquina local de seu partido, com apoio de líderes negros, latinos e de Wall Street. Dezenas de ex-colegas e atuais lobistas ou políticos entrevistados por Freedlander para o perfil de Adams na revista New York só aceitaram falar sob condição de anonimato, com medo de represálias em 2022.

Um porta-voz da campanha comentou com um repórter do jornal The New York Times que Adams será o prefeito que a mídia sempre quis cobrir e não pode, nos últimos 20 anos. “Ele será o renegado adorável”, teria dito Evan Thies, sugerindo uma altamente improvável lua de mel com a imprensa.
Se não domar o instinto de pugilista impulsivo, o provável prefeito que teve sucesso em se promover como centrista moderado pode encontrar percalços para governar. As primárias democratas registraram importantes vitórias de progressistas, e a Câmara de Vereadores no ano que vem deve ter a composição etnicamente mais diversa da história da cidade, com maioria de mulheres pela primeira vez.

Adams não pode ser acusado de feminista. Ele sofreu desgaste quando foi contra o partido e defendeu um colega senador e ex-policial, em 2010. Hiram Monserrate cortou o rosto da namorada com um caco de vidro e arrastou a mulher no chão de um estacionamento para levá-la de carro a um hospital distante do crime, dizendo ter sido um acidente. Monserrate foi condenado pelo ataque, e só em fevereiro deste ano, quando estava atrás do candidato Andrew Yang nas pesquisas, Adams denunciou o amigo.

Se a relação com o Legislativo pode ser contenciosa, não convém queimar pontes com Brad Lander, o vitorioso nas primárias para o cargo de “comptroller”. Em Nova York, o ocupante desse posto opera como um auditor independente das finanças da prefeitura, monitora a transparência de gastos e cuida dos US$ 260 bilhões (R$ 1,36 tri) em fundos de pensão dos servidores públicos. Lander é um progressista que já recebeu apoio de nomes importantes, como a senadora Elizabeth Warren e a deputada Alexandria Ocasio Cortez.
Há um tipo de político em Nova York para quem “‘O Poderoso Chefão’ é o filme favorito,” comentou, anonimamente, um ex-colega do virtual próximo prefeito. Eric Adams é um deles.

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