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Tribunal Penal Internacional vai investigar Venezuela por crimes contra humanidade

Promotoria de Haia examinará execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e torturas cometidas sob o Governo de Nicolás Maduro

O Tribunal Penal Internacional (TPI) vai abrir uma investigação sobre possíveis crimes contra a humanidade cometidos na Venezuela, comandada pela ditadura de Nicolás Maduro, informou nesta quarta (3/11) o procurador-chefe, Karim Khan, após visita ao país.

A decisão da corte é o desenrolar de um exame prévio iniciado há três anos, quando líderes de seis países solicitaram que o regime venezuelano fosse investigado por crimes de lesa-humanidade cometidos desde 2014. Foi a primeira vez que nações acionaram o TPI contra outro país signatário do Estatuto de Roma.

O anúncio da investigação foi compartilhado também pelo regime do país por meio de um memorando assinado por Maduro e Khan. O documento assinala que “há diferenças de opinião sobre o tema” e que o governo da Venezuela “considera que as denúncias devem ser investigadas no país por instituições nacionais”. Outro trecho diz, ainda, que Caracas não vê requisitos suficientes para que a denúncia passe da fase de exame preliminar para uma investigação no TPI.

Quando um caso é apresentado à corte, alguns dos pré-requisitos para que se torne uma investigação são: existirem evidências de que tenha sido cometido um crime de competência do tribunal (crimes de guerra, contra a humanidade ou genocídio); o fato ser grave; a investigação atender aos interesses da Justiça e o Estado investigado não estar julgando os supostos crimes em território nacional.

A corte entendeu que, no caso venezuelano, todos os tópicos atendem aos padrões necessários para a abertura de uma investigação. “O exame preliminar inaugurado em 2018 nada mais é do que um estágio de filtragem à medida que avançamos para este novo estágio”, disse o procurador-chefe, Karim Khan, um advogado britânico, durante evento transmitido pelos canais estatais.

Relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas divulgado em meados de setembro de 2020 apontou que crimes como assassinatos, uso sistemático de tortura, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias são cometidos no país com o conhecimento ou mesmo o apoio de figuras do alto escalão de Maduro, incluindo o próprio ditador.

Na página oficial de Madura no Twitter, uma mensagem dizia que a Venezuela respeita a decisão de avançar para a fase de investigação “em busca da verdade” e que “está disposta a garantir a justiça com instituições abertas a melhoras, aperfeiçoamentos e avanços”.

O tribunal vinha sinalizando o objetivo de iniciar uma investigação. O relatório anual das atividades da corte publicado em dezembro de 2020 dizia que, de acordo com as informações disponíveis, “há uma base razoável para acreditar que, pelo menos desde abril de 2017, civis, autoridades, membros das Forças Armadas e apoiadores do governo cometeram crimes contra a humanidade”.

O documento informava que a base de evidências dialogava principalmente com as violações cometidas em prisões, como tortura, violência sexual e perseguição contra dissidentes políticos. Apontava, ainda, que grupos como a Polícia Nacional Bolivariana, o Serviço de Inteligência, a Guarda Nacional e o Serviço de Contra-Espionagem estavam entre os que cometeram as violências, bem como “indivíduos pró-governo”.

As denúncias internacionais cresceram especialmente após a onda de protestos em oposição ao governo que tomou as ruas do país em 2018, com pautas que iam de demandas sociais, como falta de comida e suprimentos médicos, à saída de Maduro. Monitoramentos de organizações sociais indicam que cerca de 6.000 manifestações em todo o país foram organizadas somente naquele ano.

O TPI também negou, em decisão publicada em julho, a requisição de Caracas para julgar internamente os supostos crimes avaliados pela corte. Na decisão, a então procuradora-chefe, Fatou Bensouda, da Gâmbia, afirmava que o exame preliminar demonstrou que as autoridades venezuelanas “não estão dispostas a investigar e/ou processar esses casos”.

“Procedimentos internos foram iniciados e decisões foram tomadas para proteger aqueles que deveriam ser responsabilizados criminalmente, ou, então, processos não foram conduzidos de forma independente e imparcial”, disse a advogada.

A Human Rights Watch celebrou a decisão da corte. O diretor da ONG para as Américas, José Miguel Vivanco, disse que a abertura da investigação “deve ser um poderoso alerta não apenas para aqueles que comentem abusos ou os encobrem, mas também para líderes militares e civis que sabiam ou deveriam saber o que estava acontecendo e não agiram”.

Segundo a organização, trata-se da primeira vez que um país da América Latina é investigado pelo TPI por crimes contra a humanidade. Diversos relatórios da ONG reúnem denúncias de abusos cometidos pelo regime de Caracas. O último, de abril, mostra que civis vêm sendo torturados e mortos em uma área próxima à fronteira com a Colômbia.

O principal opositor do regime de Maduro, Juan Guaidó, disse que a abertura da investigação é um passo importante para obter a justiça que tem sido negada para as vítimas das violências e seus familiares.

Durante a visita ao país, o procurador Karim Khan teve três encontros com Maduro. Parentes de pessoas detidas ou supostamente mortas pelo governo realizaram diversos protestos reivindicando um encontro com o procurador, pedido que não foi atendido. Khan tampouco se reuniu com Guaidó ou outros líderes de oposição.

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