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FolhaPress

Congresso dribla regra para liberar emendas em ano eleitoral

Estão previstos cerca de R$ 2,8 bilhões para emendas parlamentares na área de mobilidade urbana até o fim do ano

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O Congresso articulou uma manobra para permitir obras de pavimentação custeadas por emendas parlamentares durante a campanha eleitoral.

Foi aprovado, sem alarde, um drible a uma regra que impediria os repasses a quase 50 cidades em 20 estados, incluindo capitais como Maceió (AL) e Goiânia (GO).

Esses municípios tinham até 12 de abril para aprovar um Plano de Mobilidade Urbana. Em caso de descumprimento, não poderiam mais receber recursos federais para obras -apenas dinheiro para auxiliar no desenvolvimento do projeto urbano.

O prazo está previsto numa lei de 2012 e vinha sendo prorrogado nos últimos anos. Mas os parlamentares aprovaram um dispositivo para que essa proibição não tenha validade para emendas neste ano.

Estão previstos cerca de R$ 2,8 bilhões para emendas parlamentares na área de mobilidade urbana até o fim do ano. O dinheiro é destinado, por exemplo, a obras e reformas que melhorem o transporte nas cidades, corredores de ônibus ou metrôs.

Mas, por ter mais apelo político e ser de mais fácil execução, parlamentares tendem a destinar a verba principalmente para pavimentação -esse tipo de obra, de difícil fiscalização, tem sido um dos principais meios para dar vazão ao volume billionário das emendas parlamentares.

Do jeito que o projeto foi aprovado, o Ministério do Desenvolvimento Regional continua impedido de destinar recursos do próprio orçamento para os municípios que descumpriram o prazo. A exceção foi criada apenas para emendas parlamentares.

Para liberar os repasses a municípios em ano eleitoral, o Congresso aprovou um projeto que altera a LDO (lei que dá as bases do Orçamento) de 2022 para que, mesmo descumprindo a lei de mobilidade urbana, cerca de 50 municípios possam receber emendas neste ano.

O projeto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), adepto da chamada política do tomá-lá-dá-cá em troca de apoio político no Congresso -esse apoio envolve liberação de verba e ocupação de cargos estratégicos no governo.

Esse drible aprovado no Congresso deverá beneficiar majoritariamente municípios que são base eleitoral de aliados do governo e da cúpula do Congresso, como Alagoas, do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP); Amapá, do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil); e Roraima, do governador Antônio Denarium (PP).

Sem a manobra articulada pelo Congresso, oito capitais não podem mais receber emendas para mobilidade urbana até o fim do ano. Na lista estão Maceió (AL), Macapá (AP), Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Recife (PE), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR) e Palmas (TO).

No ano passado, além das capitais, outros municípios impedidos de receber recursos também estiveram no topo do ranking dos que mais receberam emendas.

Imperatriz (MA) ficou em terceiro lugar na classificação. Foram R$ 111 milhões destinados para o reduto bolsonarista no estado, que tem inclinação a partidos de esquerda.

Em julho, Bolsonaro visitou a cidade. No Maranhão, Imperatriz foi um dos três municípios em que o presidente venceu o candidato do PT, Fernando Haddad, nas eleições de 2018.

Considerando as oito capitais, o valor em emendas chegou a R$ 131,2 milhões no ano passado -quase o mesmo patamar de Imperatriz.

Outro exemplo é São Gonçalo (RJ) que recebeu R$ 14,4 milhões em emendas no ano passado para obras de mobilidade urbana. O prefeito Capitão Nelson (Avante) foi eleito com apoio de Bolsonaro.

Dos R$ 2,8 bilhões previstos em emendas para mobilidade urbana neste ano, a maior parte (R$ 2,2 bilhões) é de relator, que são distribuídas a deputados e senadores com base em critérios políticos por darem sustentação ao governo no Congresso ou estarem ligados às presidências da Câmara e do Senado.

Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator.

A lei que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana foi aprovada em 2012 e colocou um prazo de três anos para a criação das legislações municipais. O prazo se encerraria em 2015.

Após dilações no prazo, municípios com 250 mil habitantes teriam até 12 de abril deste ano para aprovar o plano. A data limite para municípios menores é 12 de abril de 2023, por isso não há impedimento para repasses por emendas a essas cidades neste ano.

Mesmo com todas as extensões de prazo, 49 cidades com mais de 250 mil habitantes não aprovaram o projeto, informou o Ministério do Desenvolvimento Regional.

O Brasil tem 116 cidades nessa categoria. Ou seja, quase metade delas não conseguiu elaborar um plano mesmo após os sucessivos adiamentos do prazo.

O drible na regra que veda os repasses federais foi incluído no mesmo projeto em que deputados e senadores conseguiram flexibilizar a legislação eleitoral, permitindo doações do governo federal de bens, valores ou benefícios para entidades privadas ou públicas durante a campanha.

O relator da proposta foi o deputado Carlos Henrique Gaguim (União Brasil-TO), que fez alterações no texto pouco antes de o projeto ir para votação no plenário do Congresso. Procurado, ele ainda não se manifestou.

Membros do Congresso que participam das negociações de emendas dizem que a manobra foi articulada pelas bancadas de estados que perderiam os recursos e aliados do governo.

O drible não foi negociado com integrantes do governo. Uma ala do Ministério do Desenvolvimento Regional defendia mais uma prorrogação do prazo para aprovação do plano de mobilidade, em vez de uma exceção aos repasses por emendas.

Para o coordenador do programa de mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Rafael Calabria, a decisão do Congresso pode resultar no mau uso dos recursos para o setor.

“Com essa manobra, a obra pode ser desvinculada do planejamento da cidade e sem atender ao interesse público. A consequência disso é que o dinheiro público é mal investido”, disse Calabria.

Segundo ele, o Idec chegou a defender a prorrogação de prazos para aprovação do plano de mobilidade urbana em anos anteriores, mas considera que a data limite mais recente deveria ter sido cumprida pelos municípios.

Desde 2014, o Ministério do Desenvolvimento Regional entra em contato com os municípios para monitorar o andamento das discussões do Plano de Mobilidade Urbana em cada localidade.

Por Thiago Resende e Lucas Marchesini 

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