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Favorita para o Ministério da Saúde, Nísia Lima é tida como boa gestora e hábil no diálogo

Eleita com 60% dos votos de trabalhadores, pesquisadores e professores da Fiocruz, foi a primeira mulher a presidir a centenária instituição

Favorita para assumir o Ministério da Saúde no novo governo, a socióloga Nísia Trindade Lima, 64, será a primeira mulher a ocupar o cargo em quase 70 anos de história da pasta caso sua indicação de fato seja confirmada. Ela assumiria em um momento em que o SUS enfrenta um desmonte histórico, com perda de recursos, queda na cobertura vacinal e falta de coordenação com estados e municípios.

O nome da socióloga é tido como unanimidade no meio da saúde e também é o preferido do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas a pasta é alvo de uma disputa política. Conforme divulgado pelo UOL, o presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL) teria condicionado a aprovação da PEC da Transição ao direito de indicar o comando do Ministério da Saúde. A reportagem apurou que Lula estaria irredutível na decisão de indicar Nísia.

Diante do impasse, nesta quarta (14), a Frente pela Vida, composta por entidades da sociedade civil, divulgou nota reforçando o estado de precariedade que se encontra a pasta da Saúde e da necessidade de que ela seja presidida por uma pessoa conhecedora do SUS, sem conflitos de interesses, “capaz de evitar qualquer barganha política com posições no Ministério da Saúde”.

Graduada em ciências sociais, mestre em ciência política, doutora em sociologia, Nísia assumiu a presidência da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em 2017, cumprindo atualmente o segundo mandato. Ela é servidora da fundação desde 1987.

Eleita com 60% dos votos de trabalhadores, pesquisadores e professores da Fiocruz, foi a primeira mulher a presidir a centenária instituição, referência em ciência, saúde pública e tecnologia em saúde da América Latina.

À época, chegou a ser preterida pelo governo de Michel Temer (MDB), que optou pela segunda colocada, a pesquisadora Tania Araújo-Jorge, com 40% das intenções. Após pressão e revolta da comunidade científica, profissionais da saúde e movimentos sociais, o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, voltou atrás e empossou a socióloga.

Em novembro de 2020, Nísia foi reeleita para o cargo, após uma disputa em que grupos bolsonaristas fizeram campanha para Florio Polonini Junior, que é contador e ligado à área administrativa da fundação, e não à de pesquisa.

Porém, como Polonini Junior teve baixa votação e ficou de fora da lista tríplice encaminhada para o governo federal, Nísia foi reconduzida ao cargo. Ela é pesquisadora de produtividade de nível superior do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e autora de artigos e livros sobre sobre as cisões entre o Brasil urbano e o rural.

Sob sua administração, a Fiocruz fez parcerias internacionais para a fabricação de medicamentos e vacinas durante a pandemia-a mais importante foi com a Oxford/AstraZeneca para a produção nacional do imunizante contra Covid, que envolveu transferência de tecnologia.

Mas a sua gestão enfrentou questionamentos sobre o atraso na entrega de vacinas. Em 2021, o Ministério Público Federal investigou suposta falta de transparência nas informações sobre a produção dos imunizantes e a quantidade de matéria-prima para fabricá-los.

Em resposta, a Fiocruz atribuiu os problemas aos atrasos no recebimento de lotes de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo), matéria-prima para produção da vacina. Citou também dificuldades de obter uma licença obrigatória de exportação da China para envio do material para o Brasil, e o fato de o IFA ter sido solicitado, em caráter de urgência, “por inúmeros países do mundo, o que poderia acarretar eventuais atrasos em seu recebimento”.

A socióloga também teve atuação firme em favor da saúde e da ciência e se posicionou contra medidas negacionistas do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao mesmo tempo, Nísia se destacou por sua habilidade de diálogo, o que permitiu que ela continuasse no cargo.

“Não poderia ter nome melhor. Ela se mostrou uma excelente gestora da Fiocruz nesses anos tão duros, de tanto negacionismo, de redução de direitos sociais e de desprezo pela ciência por parte do governo federal”, afirma a pesquisadora da Fiocruz Ligia Giovanella.

Professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Ligia Bahia diz que Nísia, além de uma intelectual com muitas publicações no campo das ciências sociais, se revelou uma ótima administradora.
“Durante pandemia, ela teve que lidar com quatro ministros da Saúde e com as forças políticas do governo Bolsonaro. É uma pessoa mais do que testada na capacidade de diálogo, inclusive em situações muito adversas.”

E não serão poucas as situações adversas pela frente. A equipe de transição tem afirmado que o cenário é de caos na saúde. A equipe quer um reforço de R$ 22,7 bilhões no orçamento do próximo ano. O valor serviria para investimentos em medicamentos, vacinas e garantir o funcionamento do SUS.

Bolsonaro enviou a proposta de Orçamento para 2023 com previsão de corte de 42% nas verbas discricionárias do Ministério da Saúde, usadas na compra de materiais, equipamentos e para investimentos.

No mercado privado de saúde, a capacidade de diálogo de Nísia também é citada como ponto positivo, segundo Antonio Brito, presidente executivo da Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados), que reúne os hospitais privados de ponta no país.

“Há uma avaliação generalizada de que a doutora Nísia é uma pessoa preparada e muito afeita ao diálogo. São exatamente essas duas coisas que o ministério vai precisar: uma gestão técnica e muito competente em dialogar com todos os segmentos.”

Para Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), a indicação seria interessante para o mercado farmacêutico. “[Durante a pandemia] Ela entendeu que é muito melhor ter processos de transferência de tecnologia do que simplesmente editar decretos de licenciamentos compulsórios.”

O debate sobre quebra de patentes surgiu da dificuldade em aumentar a oferta de medicamentos e imunizantes necessários para a prevenção e o tratamento da Covid-19.

Em abril de 2021, durante reunião da comissão da Covid-19 no Senado, Nísia defendeu uma revisão da lei de propriedade intelectual e o uso de mecanismos de licença compulsória de medicamentos em áreas nas quais há monopólios e prejuízo do acesso.

Na condição de anonimato, outros atores do mercado privado da saúde relatam um receio de que Nísia, uma vez ministra, acabe cedendo à “ala mais radical do SUS”, priorizando pautas dos laboratórios estatais em detrimento dos privados, por exemplo.

Por Cláudia Collucci 

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