Presidente dos Correios arrasta Lula e governo federal para dentro de crise no Congresso
"Queremos chamar o presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, à bancada da Câmara para esclarecer a situação dos Correios", disse o deputado federal Reimont (PT-RJ)
O prejuízo econômico de quase um bilhão nos cofres públicos dos Correios neste primeiro trimestre de 2024, colocado em sigilo pela presidência da estatal durante dias e somente divulgada nessa última semana, após o fato ser denunciado fortemente pela imprensa, alavancou um ruído na imagem da estatal, que arrasta o governo federal e Lula para dentro de uma crise no Congresso, com parlamentares da própria base do governista.
“Queremos chamar o presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, à bancada da Câmara para esclarecer a situação dos Correios”, disse o deputado federal Reimont (PT-RJ).
Nesta semana, o Mais Brasília (MB) ouviu dezenas de deputados, tanto da base quando da oposição, e as conclusões são unânimes ao afirmar que “é absurda, até criminosa, a maneira como a atual gestão dos Correios está agindo”.
Muitos da base governista temem que o escândalo abale a imagem do governo, apesar de admitirem que a questão precisa ser enfrentada já que, a partir deste mês de junho a estatal entra – literalmente – no vermelho: (A partir de junho, Correios não tem dinheiro para despesas, revela fonte da área financeira; estatal colocou balanço econômico em sigilo). Muitos também já cogitam que a abertura de uma CPI dos Correios possa ocorrer em breve.
Para além do rombo financeiro nos cofres públicos, os Correios enfrentam problemas com lojas franqueadas sucateadas por ‘agências piratas‘, com denúncias de assédio moral a trabalhadores, com patrocínios milionários para eventos fora do Brasil sem nenhuma contrapartida aos funcionários da estatal. Juntando tudo isso dá um coquetel potente capaz de municiar uma crise de imagem governamental.
Em janeiro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) informou estava montando uma mega força-tarefa para investigar órgãos e bancos federais, e, entre eles, os Correios. O Tribunal definiu ainda como relator o ministro Walton Alencar. Na última terça (18), o MB entrou em contato com a assessoria do ministro e com a comunicação do TCU para saber o andamento dos trabalhos; assessores informaram que em breve retornarão com os questionamentos solicitados.
Concomitantemente a isto, segundo fonte do MB na presidência dos Correios, já consta na área técnica de segurança da estatal um dossiê a ser entregue – a qualquer momento – à Polícia Federal (PF).
Durante todos estes dias em que publicou denúncias referentes aos Correios, o MB procurou a assessoria de comunicação da estatal, que em uma das solicitações, limitou-se a dizer que: “a empresa não irá se manifestar”. O portal continua à disposição da assessoria de comunicação e/ou dos gestores da instituição para ouvi-los.
AGÊNCIAS PIRATAS
No início deste mês, o portal Mais Brasília veiculou uma reportagem – (Presidência dos Correios dá pedalada para driblar prejuízo de 1 bi, enquanto agências ‘piratas’ lucram usando estrutura da estatal) – em que explicita que um dos principais pontos diretamente ligado ao prejuízo da estatal é a manutenção – dentro dos Correios, utilizando a logística dos Correios – de serviços concorrentes de empresas privadas. Essas empresas, chamadas de intermediárias ou atravessadoras, e apelidas pelos funcionários dos Correios de ‘agências piratas‘, realizam vendas de fretes, utilizando toda a estrutura dos Correios.
Nesta quinta (20), o MB teve acesso à mensagens enviadas em grupos de aplicativos nas redes sociais em que o presidente das Agências Franqueadas dos Correios expôs o problema.
“A grande maioria destas empresas [agências piratas] que passaram a vender SEDEX e PAC mais barato do que os Correios, tiveram sua ‘certidão de nascimento’ carimbada à partir do Acordo dos Correios no CADE em 2019, que felizmente já não existe mais. (…). Passamos a ser motivo de deboche e gozação, especialmente na internet através de influenciadores e campanhas especialmente contratadas para nos prejudicar! Como iremos fazer para mudar a percepção dos nossos clientes, de que hoje comprar Sedex e PAC fora dos Correios, passou a ser mais barato e vantajoso para eles? Ou retomamos as rédeas do negócio e voltamos a ter domínio sobre os nossos preços e tabelas, trazendo de volta a competitividade e o lucro de volta para os Correios; ou seguiremos nos arrastando num horror sem fim baixando cada vez mais os preços para tentarmos fazer frente à aqueles que, juntando clientes, sempre estarão com melhores preços para rivalizar conosco!”
A coisa é tão séria que, no dia 29/5, a Associação Brasileira de Franquias Postais (ABRAPOST), em uma carta ao senhor Hudson Antunes Morato, que é Superintendente Executivo da Diretoria Financeira, questionou a atuação dos Correios com essas tais empresas atravessadoras ou intermediárias.
As ‘agências piratas‘ realizam os mesmo serviços dos Correios, mas oferecem um preço bem abaixo da tabela da estatal.
Exemplificando: o valor de uma entrega pelo Sedex pelos Correios sai em torno de R$ 30. Porém, fazendo-se a mesma entrega por meio de uma atravessadora, uma ‘pirata’, o valor cai para R$ 18.
O negócio é lucrativo porque as empresas intermediadoras têm uma tabela especial de preços para postagens, por força de contrato, já que operam com grandes volumes – casos das operadoras de e-commerce, por exemplo.
Quando o cliente traz um volume maior de encomendas, conforme as regras do mercado, os Correios utilizam tabela com tarifas escalonadas, cujos valores vão decaindo. Os intermediadores vendem e repassam essas tarifas menores para representantes de pequenos negócios e empreendedores, que utilizam a rede de serviços com menor custo. Os intermediadores, então, ficam com um percentual do preço das postagens.
Para se ter uma ideia de como lucram as ‘piratas’, no Demonstrativos de Resultados dos Correios de 2023/2022 há mais de 1 bi de diferença no segmento de encomendas de 2023/2022, dados que explicam a queda receita da estatal em contrapartida ao lucro das ‘piratas’. Ao passo que, o segmento internacional cresceu mais de R$ 800 milhões.
OPOSIÇÃO
Na última sexta (14), a deputada Bia Kicis (PL-DF) apresentou à Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados uma proposta para investigar irregularidades nos Correios.
“A demora na divulgação do balanço do primeiro trimestre, a grave piora da situação financeira e a denúncia de que a empresa não tem dinheiro para suas despesas a partir de junho são fatores que me motivaram a pedir a fiscalização pela Câmara dos Deputados. Precisamos fiscalizar a empresa para descobrir quais razões para tanto desmantelo. Meu pedido é para que os consultores de orçamento e fiscalização da Câmara realizem a fiscalização e, se necessário, solicitaremos auxílio de auditores do TCU.
Caso a Câmara aprove a proposta da deputada, o presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico nomeará um relator, que preparará um relatório com plano de trabalho e o submeterá a voto na Comissão. Em seguida, os trabalhos de fiscalização serão iniciados.
A deputada ainda informou que a fiscalização a ser realizada tem amparo tanto pelo art. 71 da Constituição Federal quanto pelos artigos 60 e 61-A do Regimento Interno da CD. “Assim a fiscalização terá o poder de verificar todo e qualquer documento, requer informações.”, ressaltou a parlamentar.
Antes de a deputada Bia Kicis apresentar proposta de fiscalização dos Correios à Câmara, o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP) já tinha solicitado a Comissão de Finanças e Tributação que convidasse o presidente da estatal, Fabiano Silva dos Santos, a comparecer à audiência pública na Casa, para explicar o saldo negativo e/ou prejuízo de R$ 809 milhões nos cofres da empresa.
O convite, já aprovado pela Câmara, ocorreu há quase dois meses, mas ainda não tem data marcada. Ao portal Mais Brasília, ainda no início deste mês de junho, o deputado informou que o convite para que o presidente dos Correios fosse ouvido partiu após tomar ciência de irregularidades na estatal por meio de denúncias de sindicalistas.
Ainda de acordo com o deputado, outra questão que a Comissão de Finanças e Tributação pretende esclarecer é a de que “a estatal não está bem, mesmo tendo o monopólio de serviços postais no país.”
Para respaldar a Comissão, Pinato se ampara em dados do próprio governo. Segundo projeções do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias e Resultados Operacionais, os Correios acumularam, em 2023, um déficit acima de R$ 1,3 bilhões.
De acordo com o último relatório da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), publicado em 22 de novembro, o prejuízo estimado para um conjunto de 22 empresas controladas pela União em 2023 é de R$ 4,5 bilhões. O valor é de R$ 1,5 bilhões acima do autorizado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023, que é de R$ 3 bilhões. Sendo assim, somente os Correios terão prejuízos acima de 1,3 bilhões.
Desta forma, pode-se observar que, como o déficit será maior que o autorizado, o governo terá de compensar o excedente com recursos públicos; isto, ainda de acordo com o deputado, “pela primeira vez em oito anos.”
GASTANÇA
Outra questão a ser encarada é o dos os eventos milionários patrocinados pelos Correios sem contrapartida. Os Correios gastaram – somente nestes primeiros meses deste primeiro semestre de 2024 – R$ 11 milhões em patrocínios. O montante excede o valor total gasto em patrocínio durante todo o ano de 2023. Em 2023, a empresa gastou R$ 8,5 mi.
A informação, anteriormente em acesso restrito, foi passada ao portal Mais Brasília na tarde do último dia 11 e agora também consta no site da empresa. (Correios gastam R$ 11 milhões em patrocínios em 5 meses de 2024; balanço financeiro da estatal segue em sigilo).
Lollapalooza 2024, South Summit Brasil 2024, Eventos do Fórum E-Commerce Brasil, VTEX DAY 2024, 36ª Feira Internacional do Livro em Bogotá, FUNN Festival (em Brasília) são estes os seis eventos patrocinados pela estatal em 2024 até agora.
Eis alguns dos valores: Somente com o festival Lollapalooza 2024, os Correios gastaram R$ 6 milhões. Com o South Summit Brasil 2024 foram mais R$ 400 mil. Já para a 36ª Feira Internacional do Livro em Bogotá, a estatal desembolsou o montante de R$ 600 mil. E com o FUNN Festival (em Brasília), os Correios pagaram a bagatela de R$ 1.900 milhão.
No link, no site da instituição, em que constam estes patrocínios (vide link aqui), há uma tabela listando os patrocínios deste ano de 2024. Nesta tabela, estão estipulados o valor total do contrato, o período de início e final de vigência, as áreas do patrocínio, a forma de captação de recursos, ano do contrato, nome do evento.
Nesta mesma tabela, lá no final dela, existe um item com o nome de Justificativa, local em que deveriam constar os motivos pelos quais os Correios estariam afinal patrocinando cada um destes eventos. Mas este item está em branco para todos os seis eventos que receberam patrocínio da estatal.
Justificativa é/seria a contrapartida que os Correios recebem; ou seja, quando uma empresa patrocina/paga por determinado evento, o que esta empresa recebe em troca é a contrapartida. Para além dos valores dos patrocínios pagos, a Justificativa está em branco para todos os seis eventos.
Nessa quarta (20), o MB teve acesso a outros patrocínios com seus respectivos valores: Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) (4 milhões; Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU), R$ 3.500 milhões; Projeto CASA BRASIL em Paris, para as Olimpíadas 2024, R$ 2 milhões. Todos estes eventos e valores já constam no site dos Correios.
ASSÉDIO MORAL
“COMPANHEIRO LULA, NÃO DEIXE ACONTECER ESSAS MALDADES CONTRA TRABALHADORES DOS CORREIOS”, PEDE DEPUTADO VICENTINHO
As palavras acima são exemplificadas ainda por vídeo, gravado na Câmara dos Deputados e veiculado no último mês de março nas redes sociais pelo deputado federal Vicentinho (PT), em que o parlamentar conta o caso de Bolinha, um trabalhador antigo da instituição e dirigente sindical. No vídeo, o deputado Vicentinho diz que tentou, em vão, dialogar com a presidência dos Correios para evitar a perseguição a Bolinha.
Bolinha atualmente mora em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Com 51 anos, Bolinha entrou nos Correios no dia 10 de janeiro de 1997 e, neste 2024, completou 28 anos de Casa. Trabalhou anos como carteiro na década de 90, quando entrou na instituição. Chegou a função de carteiro devido à um caso de artrose. Recentemente, ele foi exonerado de uma das funções; a de Assessor na Diretoria de Recursos Humanos.
Leia abaixo o discurso de Vicentinho, na Câmara, que circulou nas redes sociais:
“Este companheiro Bolinha, que é Paulo Teixeira, por ter transmitido e manifestado opiniões contra o genocídio na Faixa de Gaza, denunciando a postura do Estado de Israel, fora de seu expediente, repercutindo a posição de nosso governo do presidente Lula, de nós do Partido dos Trabalhadores, manifestada aqui várias vezes essas posições, ele foi perseguido por isso, ele tinha um cargo em Brasília e foi mandado para o interior, em uma primeira punição. Depois, senhor presidente, estranhamente, por causa disso, ele foi levado à um conselho de ética, algo parecido, uma organização interna, e este conselho viu que não tinha cabimento aquilo, que o companheiro Bolinha tinha o direito de manifestar sua opinião política, porque ele é um cidadão, então este conselho retirou essa denúncia. Estou a vida inteira na luta dos trabalhadores e este companheiro recebeu uma informação de que ele está sendo exonerado. Ele foi tão perseguido que ele perdeu a memória em um determinado momento diante desse fato. Olha, se fosse um general, se fosse um grupo bolsonarista, mais no nosso governo, pelo amor de Deus, não pode acontecer. Eu quero pedir aos companheiros dos Correios que me mandem mais informações. Olha só, não é porque hoje os Correios, estamos no poder, que nós vamos permitir que chefias obtusas, que líderes persigam por companheiros que estão lutando por direitos. E eu quero dizer, Bolinha é um militante histórico reconhecido facilmente por todos nós, companheiro Bolinha, você é um exemplo de dignidade e de ética. E por esse motivo, eu quero fazer um apelo ao presidente Lula: Companheiro Lula, não deixe acontecer essas maldades contra trabalhadores dos Correios, que merecem respeito. Presidente Lula, interfira. Não é possível. E alguém pode perguntar: Vicentinho, mas porque você não falou com o presidente dos Correios? Já pedi, que profunda decepção, parece que esta vingança vem lá de cima, me parece que vem do presidente dos Correios”. Este assédio torturante sofrido pelo Bolinha, tem problema chama, senta, acerta. Mas não podemos agir com perseguição”.