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FolhaPress

TCU cria ‘malha fina’ das contas públicas e mira ministérios com maiores gastos

Ministérios da Educação, Defesa, Infraestrutura, Agricultura e do Trabalho e Previdência precisarão, pela primeira vez, prestar contas

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

As demonstrações financeiras dos maiores ministérios do Poder Executivo passarão a receber atenção especial do TCU (Tribunal de Contas da União), que criou uma espécie de malha fina das contas públicas para ampliar o rigor no diagnóstico de eventuais irregularidades.

Uma norma estipulada pelo tribunal em março deste ano prevê critérios objetivos para determinar quais pastas cairão nessa malha fina. Um deles é responder, individualmente, por ao menos 2% das despesas do Orçamento.

Com a nova regra, os ministérios da Educação, Defesa, Infraestrutura, Agricultura e do Trabalho e Previdência precisarão, pela primeira vez, prestar contas de forma integrada ao TCU, que analisará o conjunto da obra na gestão desses órgãos.

Economia, Cidadania e Saúde também estão na lista, mas já vinham sendo cobrados a apresentar relatórios mais abrangentes.

Ministros de Estado poderão ser responsabilizados, caso sejam detectadas irregularidades graves que possam ser atribuídas a suas gestões.

Os resultados também vão nortear a avaliação anual das contas do presidente da República de 2022, a serem julgadas pela corte de contas no ano que vem.

Um dos alvos da lupa do TCU, o MEC entra no mapa da fiscalização no mesmo ano em que sofre desgaste diante de denúncias e indícios de mau uso da verba pública.

Em um dos casos, prefeitos apontam um balcão de negócios no MEC, operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, para agilizar a liberação de valores a gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político de sustentação ao governo Jair Bolsonaro (PL).

A situação do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, se agravou após a Folha revelar, em 21 de março, um áudio em que ele cita a priorização das prefeituras sob intermediação dos pastores e afirma que foi um “pedido especial” de Bolsonaro. Ele deixou o cargo uma semana depois.

Em abril, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que o MEC destinou R$ 26 milhões para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.

A liberação de recursos para aliados ocorre ao mesmo tempo em que o governo trava a liberação de R$ 434 milhões a prefeituras de todo o país, deixando paradas construções de creches, escolas, salas de aulas e quadras.

Técnicos do tribunal afirmam que a inclusão do MEC na lista das chamadas “unidades significativas” a serem fiscalizadas com maior rigor é uma coincidência. A pasta executa 3,37% do Orçamento federal e, por isso, preencheu os critérios da nova regra do órgão de controle.

Até 2020, a análise das contas de governo era feita pelo TCU de forma difusa, mirando nas secretarias-executivas (segundo posto mais importante de um ministério) e nas secretarias de cada pasta.

Na Economia, por exemplo, Receita Federal, Tesouro Nacional e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) eram alvos regulares do rigor da corte de contas, dada a importância dos valores gerenciados por esses órgãos.

Além disso, nem todos os ministérios responsáveis por volume significativo de despesas eram convocados anualmente a prestar contas. Havia uma regra de alternância, e algumas pastas poderiam apresentar apenas relatórios de gestão, mais resumidos. A lista era definida ano a ano pelas unidades técnicas do TCU e da CGU (Controladoria-Geral da União).

A partir de 2020, a análise foi ampliada, mas ainda não havia um critério definido para a seleção dos alvos da fiscalização. Para se ter uma ideia, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) precisou prestar contas de lá para cá, mas o MEC pôde apresentar apenas relatório de gestão.

Agora, a análise é mais abrangente e integrada. Além disso, os ministérios que se encaixarem nos critérios serão submetidos sistematicamente a julgamento de contas pelo TCU.

O novo sistema é comparado pelos técnicos à metodologia da Receita Federal, que tem uma estrutura especial para analisar a conformidade das declarações de grandes contribuintes, que precisam recolher anualmente milhões em tributos.

Relator da decisão que instituiu a nova regra, o ministro do TCU Antonio Anastasia destacou em seu voto que os critérios vão melhorar a atuação da corte de contas.

“Se, por um lado, a adoção dos critérios da despesa orçamentária e da relevância patrimonial restringe o universo de Unidades Prestadoras de Contas (UPC) classificadas como significativas para fins de julgamento pelo tribunal, de outra banda, o conjunto de análises em cada processo será bem mais extenso e aprofundado, permitindo uma avaliação mais efetiva da qualidade e da regularidade da gestão”, disse o ministro.

A existência da malha fina das contas não impede a atuação do TCU em ministérios menores, caso haja indício de irregularidades a serem investigadas. Para isso, a corte pode instaurar as chamadas tomadas de contas especiais.

O novo modelo de fiscalização foi elaborado após recomendações da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma espécie de clube de países ricos, do qual o Brasil almeja fazer parte.

Em 2012, o diagnóstico da OCDE apontou que o TCU auditava as contas de governo antes mesmo de avaliar os demonstrativos dos gestores ou dos ministérios, um trabalho que poderia fornecer subsídios importantes à primeira tarefa.

Para Élida Pinto, professora da FGV-SP e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, o novo modelo pode ser positivo, desde que não gere “sobrecarga burocrática” ao TCU, dada a abrangência da análise.

Ela destaca que a corte de contas já costuma aferir o cumprimento de determinadas obrigações, como os gastos mínimos em saúde e educação.

“Lógico que, se o TCU está sugerindo pensar o ciclo de gestão de ministérios relevantes, isso faz sentido”, diz Pinto.

“Ele está cumprindo o planejamento, está entregando o que a sociedade espera? Isso permitiria aprimorar o controle qualitativo do gasto, alcança não só a conformidade legal, mas os resultados”, afirma a professora.

Os critérios do TCU para escolher os alvos da fiscalização mais rigorosa – Ministérios com despesas que representam, individualmente, mais de 2% do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. Somados, eles precisam alcançar ao menos 90% do total de gastos.

– Inclusão do Fundo do Regime Geral de Previdência Social, em qualquer situação.
– Empresas estatais, dependentes ou independentes, cujas participações somadas alcancem 90% das participações permanentes da União.
– Inclusão do Banco Central do Brasil, em qualquer situação, em razão de suas relações financeiras com a União.

Por Idiana Tomazelli 

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