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FolhaPress

Tribunal muda elogiado modelo de combate à lavagem e é alvo de queixas

Retirada da exclusividade é defendida pelo tribunal como uma forma de diminuir conflitos de competência

Foto: Reprodução

O TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) reverteu uma medida que foi considerada há quase duas décadas como uma evolução no combate à lavagem de dinheiro e crimes financeiros em São Paulo: a exclusividade de varas na capital para julgar esses casos.

Um provimento que entra em vigor em 7 de janeiro prevê que as três varas criminais federais que julgam lavagem de dinheiro na cidade de São Paulo também passarão a decidir sobre crimes comuns.

Ao mesmo tempo, as varas federais locais que atualmente julgam crimes comuns passarão a receber crimes de lavagem –à exceção de uma.

A retirada da exclusividade é defendida pelo tribunal como uma forma de diminuir conflitos de competência (que decidem quem será o juiz do caso) em processos com suspeitas de lavagem.

A medida, porém, tem sido criticada tanto por membros do Ministério Público como por advogados e por juízes que atuam na área.

A crítica ocorre porque o modelo atual vinha sendo considerado uma vitória da Justiça Federal para a análise de processos de alta complexidade.

Em 2004, quando duas varas de São Paulo passaram a atuar somente em ações de lavagem, houve cerimônia com presença do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

A presidente do TRF-3 à época, Anna Maria Pimentel, disse em discurso que “os crimes de colarinho branco e de lavagem de dinheiro requerem especialização de juízes, para atender aos anseios da sociedade”.

“Este é um momento importante para enfrentar o aumento da criminalidade, e a Justiça agita-se para realizar este trabalho, é preciso agir”, afirmou.

O modelo a ser implantado em 2022, que desfaz essa mudança, foi criado a partir de estudo solicitado pela cúpula do tribunal.

Embora a exclusividade de 2004, diz o estudo, tenha sido “uma iniciativa para aprimorar o controle desta espécie de criminalidade [lavagem]”, se acreditava que garantiria “maior qualidade e celeridade na prestação jurisdicional, especialmente quanto aos delitos de maior complexidade”. Mas esses objetivos, continua o estudo, não foram alcançados nas varas exclusivas.

“Para além de não se ter atingido a finalidade de concentração de esforços para uma resposta estatal mais efetiva, a especialização também acarretou maior atraso na tramitação”, diz o texto, atribuindo esse atraso às dúvidas sobre competência.

Apesar da defesa da mudança feita pelo tribunal, pessoas que trabalham com o tema acham que a solução encontrada só irá piorar o andamento dos processos.

“Se assim proceder, o tribunal estará indo na contramão de uma estratégia internacional de combate à lavagem de dinheiro”, diz o juiz federal aposentado Odilon de Oliveira, que ficou conhecido pela atuação contra o tráfico em Mato Grosso do Sul, estado que também integra o TRF-3.

Um magistrado que atua em São Paulo afirmou, em reservado, que a mudança vai no sentido contrário das metas da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro, rede que envolve os três Poderes para discutir políticas públicas a respeito do tema.

A advogada Ludmila Groch, sócia do Lefosse Advogados e especialista em anticorrupção e crimes de colarinho branco, afirma que, embora a ideia do TRF-3 “possa parecer benéfica, não parece a melhor solução”.

“O crime de lavagem de dinheiro é especialmente elaborado e multifásico, envolvendo esquemas complexos que exigem grande estudo e experiência por parte do magistrado e do Ministério Público para sua correta elucidação”, afirma ela.

Segundo a advogada, juízes e promotores especializados acumulam experiência para avaliar esses casos com mais precisão.

Caso o tribunal esteja preocupado com uma eventual morosidade dos casos de lavagem, diz, o ideal seria a criação de novas varas especializadas, não a mera redistribuição dos casos. “É essa, inclusive, a orientação geral do Conselho Nacional de Justiça e das melhores práticas internacionais.”

Na contramão dessas opiniões, o advogado criminalista Conrado Gontijo acha a medida positiva e diz que não trará prejuízo às apurações.

Os maiores críticos da mudança são os membros do Ministério Público Federal. Reservadamente, quatro procuradores da República em São Paulo classificaram o novo modelo como um retrocesso e um desmonte de estruturas de julgamento de lavagem de dinheiro.

O procurador-chefe do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul, Silvio Pettengill Neto, também criticou a medida. Segundo ele, a mesma mudança foi feita em varas federais de Campo Grande e houve prejuízo no andamento dos processos de lavagem.

“Tivemos muitas prescrições. Em São Paulo vai acontecer a mesma coisa que acontece em Mato Grosso do Sul. Há crime organizado no Brasil inteiro, mas casos complexos de crimes contra o sistema financeiro, como insolvência de bancos e operações fraudulentas na bolsa de valores, são em São Paulo”, afirma.

“São processos com muitos réus, muitos deles já na casa dos 60 anos e que têm advogados caros. Fatalmente vão acabar em prescrição.”

Para ele, o tribunal está “buscando uma estrutura que é fadada ao insucesso, misturando complexidade com volume”.

“Uma boa analogia é que misturaram velocista com fundista. É uma competição que você não sabe se está correndo maratona, meia maratona ou prova de velocidade. Usain Bolt não seria campeão da maratona de Nova York.”

Uma das responsáveis por implantar o novo modelo é a juíza Raecler Baldresca, auxiliar da presidência do TRF-3. Ela afirma que, além de partirem de estudos, as mudanças foram elaboradas a partir de uma comissão de magistrados que se aprofundou no assunto e escutou a sugestão de colegas.

Segundo a juíza, com menos conflitos de competência, os processos tramitarão de forma mais célere. Além disso, diz ela, a mudança até facilitará a divisão do trabalho na provável implementação do juiz das garantias –quando a condução dos processos criminais será dividida entre dois magistrados, um deles será responsável pela fase da investigação, enquanto o outro se encarrega do julgamento.

“Isso é resultado do trabalho de pessoas que conhecem a realidade da Justiça Criminal, conhecem a realidade dos processos criminais da Justiça Federal, conhecem as dificuldades e conhecem as melhores formas de dar andamento e de dar celeridade e julgar. São juízes experientes”, diz Baldresca.

Por José Marques 

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