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FolhaPress

Prisão mal fundamentada é principal causa de habeas corpus no STF, diz pesquisa

Levantamento com dados de 2018 e 2019 aponta que Gilmar, Lewandowski e Fachin foram ministros que mais concederam HC

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A falta de fundamentação para prisões no país foi a principal causa de habeas corpus concedidos por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2018 e 2019.

Dos 1.567 HCs, 340 foram por decisões em que magistrados deixaram de apresentar elementos para justificar o encarceramento. A maioria (88%) foi concedida de forma monocrática.

O instrumento judicial visa garantir a liberdade de alguém e pode ser usado, por exemplo, quando a pessoa é presa ilegalmente ou para evitar que isso aconteça.

Os dados integram o Observatório Penal, uma plataforma que reúne infografias desenvolvidas a partir de uma pesquisa feita por professores do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) e assessores de ministros do STF.

Com 478 deferimentos, Gilmar Mendes é o ministro que mais concedeu habeas corpus no período analisado -na maioria das vezes, diante da má fundamentação de prisões, casos de privação de liberdade relacionados à lei de drogas e falhas na execução da pena.

Ricardo Lewandowski aparece na sequência, com 267 HCs concedidos especialmente por problemas na execução da pena e prisões de mães e gestantes.

Relator dos processos da Operação Lava Jato, Edson Fachin ficou em terceiro lugar, com 248 decisões, a maioria também por problemas na fundamentação de prisões.

Já na outra ponta, como ministro que menos concedeu o instrumento, aparece o atual presidente da corte, Luiz Fux, com oito decisões.

Gustavo Mascarenhas, professor de direito penal no IDP, mestre em direito e ex-assessor do ex-ministro Marco Aurélio Mello, afirma que o objetivo é ajudar advogados e defensores a entender como cada ministro decide para assim definirem estratégias jurídicas e terem um indicativo das chances de seus clientes.

Vinícius Vasconcellos, doutor em direito e assessor de Gilmar, destaca que a partir de 2015 as decisões monocráticas passaram a ser predominantes em matéria de habeas corpus, que na prática se tornou um importante instrumento na formação de precedentes adotados pela corte, embora não seja essa sua finalidade.

“O habeas corpus tem se tornado o principal formador de precedentes no STF. Se for olhar os principais julgados em matéria penal em temas de tráfico de drogas e crimes hediondos nos últimos anos, eles foram decididos em habeas corpus”, diz Vasconcellos, que também leciona no IDP e na UEG (Universidade Estadual de Goiás).

Além dos dois professores, também fazem parte do grupo de pesquisa Áquila Duarte, que é servidor do Supremo e atua no gabinete de Gilmar, e Caio Salles, assessor do ministro Alexandre de Moraes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e que antes assessorou Marco Aurélio.

Para Vasconcellos a principal diferença entre os membros da corte é que alguns adotam uma visão mais restritiva, para limitar o que o STF deve decidir em termos de habeas corpus, enquanto outros vão no sentido contrário.

“É mais uma visão de como o STF se coloca nessa estrutura do sistema criminal. O nosso tribunal tem uma competência muito grande, então há ministros que têm uma visão mais restritiva e querem limitar.”

Além de gráficos que mostram quantas decisões foram concedidas por cada magistrado, o site também apresenta um perfil dos ministros, com os temas mais julgados e os estados de origem das ações.
Os pesquisadores disponibilizaram ainda exemplos de decisões proferidas por cada ministro, separadas por ano e tema.

Na análise por estado, que também leva em conta decisões colegiadas, São Paulo aparece como aquele com mais decisões proferidas: 895 habeas corpus nos dois anos. Em 2019, o Supremo decidiu casos de todos os estados. No ano anterior, Alagoas e Amapá não tiveram habeas corpus julgados.

Também é possível verificar quais assuntos predominam em cada estado. Em São Paulo, são problemas da fundamentação das prisões, na definição do regime e casos referentes à lei de drogas.

Nesse aspecto, os pesquisadores chamam atenção para o desrespeito pelos tribunais a entendimentos firmados pelo STF, que acabam por gerar recursos que poderiam ser evitados, caso de prisões preventivas decretadas de forma automática por alguns juízes, diz Vasconcellos.

No caso da fixação do regime inicial, o professor afirma que os magistrados ainda ignoram as regras previstas pela legislação e deixam de justificar a opção pela forma mais grave -encarceramento- quando o acusado poderia responder em aberto, por exemplo.

“Tem alguns tribunais, especialmente algumas câmaras do TJ-SP, que não fazem isso [justificar o regime]. Só por ser tráfico eles colocam regime fechado”, afirma, citando duas súmulas do STF (718 e 719), que autorizam a aplicação de um regime mais gravoso do que o previsto pelo Código Penal, desde que haja motivação concreta para isso.

Segundo dados de dezembro de 2019 do Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil tinha uma população carcerária de 748 mil pessoas, a maioria presa por crimes contra o patrimônio (51%) e pela Lei de Drogas (20%). Presos provisórios, ou seja, sem condenação definitiva, eram 29%.

Mascarenhas afirma que a expectativa com o trabalho de pesquisa, que deve continuar com a inclusão dos dados de 2020 na página, é que magistrados busquem adequar as decisões à jurisprudência do Supremo. “O que adianta dar uma decisão que será derrubada depois?”, questiona ele.

A pesquisa começou em 2018. Manualmente, foram baixadas planilhas publicadas diariamente pelo STF com o número do HC concedido, relator e a data. A partir daí, o grupo dividiu os processos e passou a fazer buscas no mesmo site para incluir mais elementos para a análise, como os temas dos habeas corpus.

Vasconcellos afirma que ainda há avanços que precisam ser feitos na divulgação da corte, que tem trabalhado em tal direção.

“A gente tinha que acessar um por um para pegar os dados. Isso é problemático tanto para os pesquisadores quanto para o próprio tribunal, porque acaba trazendo um congestionamento para o sistema. É uma coisa que poderia ser evitada se esses dados fossem consolidados em tabelas de modo mais simples e direto”, diz.

Além do Observatório, a pesquisa realizada pelo grupo também resultou no livro “Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal”, que teve a primeira edição lançada em 2019 pela editora RT.

Por Géssica Brandino

 

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